Fiquei surpreendido com a menção da palavra dogma no título do artigo da jornalista São José de Almeida no Público de sábado passado – “Entre o dogma e o interesse da maioria, Público, Opinião, 2011-11-05 –. É um artigo que argumenta contra uma pretensa submissão da União Europeia ao dogma e à fé cega na ideologia neoliberal. Para construir o seu argumento, São José Almeida discorre sobre o fenómeno da fé:
Tenho uma grande dificuldade em compreender o fenómeno da fé. Não sou tocada, de facto, pela graça da fé. E a forma como a fé destitui o ser humano de razão, de distância crítica, de capacidade de entendimento do real e de partilha do quotidiano com os outros, sempre me fez muitíssima impressão. Mas a minha dificuldade em perceber a cegueira da fé no domínio religioso - que leva a dar como verdades coisas completamente absurdas - torna-se numa absoluta impossibilidade de entendimento minha, quando a convicção política é vivida com a mesma irracionalidade cega da fé religiosa. Até porque esta vivência da política no patamar da fé não só torna o diálogo e, logo, a vivência da democracia impossíveis, como tem quase sempre consequências graves sobre a vida das pessoas, como ficou demonstrado na Europa com as ditaduras do século XX, fossem as nazis, as fascistas e as conservadoras de direita, fossem as comunistas.
O que vem a ser a fé? É adesão àquilo que outro afirma. Pode ser irrazoável – se não houver motivos adequados. É razoável – se os houver. Se eu tiver adquirido a certeza de que certa pessoa sabe o que diz e não me quer enganar, repetir, com certeza, aquilo que ela diz com certeza é coerência comigo mesmo.
Para chegar à certeza sobre a sinceridade e a capacidade de alguém só posso usar o processo de certeza moral. Os outros métodos de conhecimento (matemático, físico-químico, lógico) são inadequados para conhecer as realidades que dizem respeito ao comportamento humano na sua dimensão de significado.
O método da certeza moral é, então, aquele que se baseia no uso da razão que quer conhecer as realidades do comportamento humano recorrendo à observação de uma multiplicidade de indícios que só têm um sentido adequado, uma leitura adequada e que é aquela certeza.
Então, a fé, usando o método da certeza moral é uma forma de conhecimento que me permite aderir àquilo que outro afirma, que permite reconhecer uma presença na realidade que me rodeia. É seguramente uma graça, como a jornalista refere, afirmando que não lhe tocou. Mas o simples reconhecimento da fé como graça é um primeiro passo para admitir, melhor exigir, a presença do autor do acto gratuito.
É o reconhecimento desta presença que, ao contrário do que São José Almeida diz, alarga a razão do ser humano, permitindo usá-la para além dos limites que a própria razão, se for leal, reconhece, e aumenta a capacidade de atenção à realidade e por isso, aguça a percepção do seu significado.
É particularmente injusta a afirmação de que a fé destitui o ser humano de partilha do quotidiano com os outros: a partilha é sempre menos do que deveria ser, mas olhando para a realidade, e não apenas para como ela deveria ser, verifico que é entre os homens e mulheres que ouvindo esta proposta, a ela aderiram – com todas as suas imperfeições, é certo – porque quem a propõe, sabe o que diz, sabe o que faz e não nos quer enganar: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”
Pedro Aguiar Pinto

Comentários

João Wemans disse…
Dizia André Frossart -
"La Foi : ce qui permet à l'intelligence de vivre au dessus de ses moyens."
Dizia André Frossart:

- La Foi: ce qui permet à la Raison de vivre au dessus de ses moyens.

J. Wemans
Francisco Melo disse…
A ignorância que a jornalista tem sobre a fé é enorme, e tudo isso por ter uma fé irracional na ideologia em que crê (acredito que de modo cego).

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