Conversas e golos

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2011-07-18
A economia portuguesa está na situação habitual da selecção nacional: além de ter de ganhar todos os jogos para conseguir o apuramento, depende ainda do resultado de outros encontros. O memorando da troika tem de ser cumprido mas não chega. Só se a Europa vencer alguns desafios financeiros é que seremos repescados.
Este paralelo entre as situações económica e futebolística é bastante mais profundo do que parece. O País, como aconteceu tantas vezes à nossa equipe, mudou de seleccionador nacional. O novo plantel de Passos Coelho criou boas expectativas, recuperando-se alguma esperança. O prognóstico para os próximos jogos é moderadamente optimista. Ou razoavelmente pessimista segundo a maioria.
Chegámos a esta situação ambígua porque o anterior treinador, excelente nas conferências de imprensa, acumulou derrotas dentro das quatro linhas. Em Setembro de 2008, quando o campeonato aqueceu decisivamente na crise mundial, nós ainda dependíamos só de nós. Após quinze anos de endividamento a pontuação era fraca, desanimante mesmo, mas seria possível assegurar a passagem à fase seguinte apenas com os nossos resultados. Os erros tácticos e as oportunidade perdidas dos últimos três anos deixaram-nos com uma mera possibilidade matemática de apuramento.
Claro que, como acontece no futebol, também na situação económica as culpas nunca são dos jogadores. Nas análises de bancada os responsáveis são sempre o árbitro, o relvado ou os juízes de linha.
Antes de mais a culpa é da Europa e do FMI, responsáveis máximos das nossas dificuldades. Mas desta vez acusar o árbitro roça o inacreditável. A chamada troika do Fundo, Comissão e Banco Central veio ter connosco com um enorme saco de dinheiro, precisamente no momento em que ninguém nos empresta. Aliás é bom lembrar que fomos nós, em desespero, que recorremos a eles. Junto com o empréstimo, a troika trouxe um conjunto de condições que, vistas honestamente, são sensatas e indispensáveis. Podem não ser suficientes, mas são necessárias. Criticar o árbitro que marcou um penálti a nosso favor e ainda recomenda boas tácticas é suprema tolice. A alternativa que alguns sugerem -rejeitar a ajuda, renegociar a dívida e sair do euro-implicaria fazer o ajustamento, não em três anos, mas em três minutos. Com o mercado fechado e sem apoio internacional, o país teria um colapso imediato.
A qualidade do relvado é também desculpa habitual. Por isso tantos criticam os mercados selvagens e irracionais. Mas ninguém disse mal deles enquanto nos endividávamos alegremente nos últimos 15 anos. Como sempre, os bancos e investidores são excelentes quando emprestam e vilões ao exigirem juros. Porque, é bom que se diga, ninguém pretende que liquidemos a dívida e os mercados até gostariam de nos emprestar bastante mais. Apenas exigem garantias de pontualidade no pagamento das prestações. Foi a incapacidade de cumprir isso que nos trouxe a este extremo.
Ultimamente, porém, a maior raiva está reservada aos juízes de linha, as agências de rating. A Moody's há dias, ao baixar a notação da nossa dívida, mereceu críticas arrasadoras de todos os quadrantes nacionais e internacionais. Na véspera o Dr. Silva Lopes, uma das nossas vozes mais respeitadas, afirmara precisamente o mesmo: Portugal não é diferente da Grécia e o empréstimo de 78 mil milhões é "largamente insuficiente" (Lusa, 4/Jul). Estas posições podem ser consideradas demasiado negativas, mas são plausíveis. O economista foi louvado no Expresso de 9 de Julho pela sua coragem enquanto o mesmo jornal arrasava a Moody's. Como sempre gostamos de criticar o nosso clube, mas não admitimos que outros o façam. O que realmente aconteceu aqui é que a Europa quer validar um golo nosso marcado fora de jogo e para isso silencia o juiz de linha.
Na economia, como no futebol, não conta a conversa mas os golos. O campeonato está difícil e podemos ser desclassificados. Mas a arbitragem torce por nós e está ansiosa que ganhemos. O que há a fazer é esquecer tretas e especulações e chutar à baliza.
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

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