As férias

Público 2011-07-06 Pedro Lomba

Entrámos no Verão, que, para quase todos, é um período de férias. Numa era em que os Governos cortam salários e subsídios e prometem aumentar a idade de reforma, vale a pena lembrar que há pelo menos um direito até agora intocado por esta tendência: o tempo das férias. Deverá também ser mudado?
Na Europa o tempo das férias é, como sabemos, generoso. Mais nuns países do que noutros. Em Portugal são 22 dias úteis, na Alemanha 20, em França os números chegam aos 30. Acrescentem-se os feriados e veremos que o período em que somos pagos sem trabalhar pode mesmo ultrapassar os 30 dias.
Angela Merkel provocou meio mundo quando há tempos, para criticar os portugueses, sugeriu que as férias deveriam ser uniformizadas na Europa. Mas, como se vê, elas já estão em grande medida uniformizadas. A surpresa é essa.
Estes números europeus costumam ser contrastados com a duração das férias nos Estados Unidos. Um relatório de 2007 do Center for Economic and Policy Research, ao fazer o levantamento das leis de férias nas economias mais desenvolvidas, concluiu que um em cada quatro trabalhadores americanos não tem férias pagas. Holandeses, italianos ou alemães têm duas vezes mais férias do que os americanos.
A diferença é marcante. E, para alguns, é precisamente isso que explica a maior produtividade dos americanos em relação aos europeus. Os americanos são mais produtivos por trabalharem mais. Para outros, é a cultura, sempre a cultura. Há uns anos o historiador inglês Nial Ferguson escreveu um ensaio cáustico intitulado The Atheist Sloth Ethic, Or Why Europeans Don"t Believe in Work [A ética ateia da preguiça, ou por que os europeus não acreditam no trabalho]. Os europeus e, em particular, os europeus do Sul acabam sempre mal tratados por comentários deste género.
É preciso, no entanto, alguma cautela quando se analisa a relação entre a produtividade dos trabalhadores e o maior ou menor tempo de férias.
Aqui há tempos, quando os suicídios de trabalhadores da France Telecom se tornaram notícia, alguém observou com razão que a infelicidade no trabalho está a crescer nas economias ocidentais. Os números confirmam-no e a depressão económica só agravou esse facto. A epidemia de mal-estar atinge hoje qualquer trabalhador do Ocidente, mas não é absurdo dizer que é mais nociva na Europa do que na América. Confesso, pensando no caso português, que nunca conheci muita gente que se sentisse feliz no trabalho. Em geral, quase todos se queixam: do salário, do superior hierárquico ou dos colegas de refeitório. Ou do país que não ata nem desata. A vida laboral corresponde, salvo excepções, a uma longa habituação ao queixume.
Forçados a rever os incentivos à produtividade, os Governos podem cair no erro de pensar exclusivamente nas férias e feriados ou no tempo de trabalho. Podem ou não ter razão. Mas não devem esquecer que muitas vezes a condição para termos ou não trabalhadores mais produtivos encontra-se não nas férias mas no grau de satisfação do trabalhador. E essa satisfação resulta de uma realidade mais complexa em que a organização do trabalho, a gestão, o próprio tempo de férias, as relações com as chefias, os sentimentos de lealdade, confiança e cooperação constituem aspectos decisivos.
Já sei o que estão a dizer: as pessoas queixam-se em demasia, desejam sempre mais, vivem do protesto e da exigência, querem entrar no Facebook durante o expediente e não as deixam. Sim, mas não caricaturem. A insatisfação no trabalho está a crescer no Ocidente e os portugueses, já de si macambúzios, não passam ilesos. Jurista

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