A cama

DN 2011-01-02 MARIA DE LURDES VALE
Nassim Taleb, o autor de O Cisne Negro, obra que desenvolve a teoria de como somos (quase sempre) surpreendidos pelo improvável ou aleatório - veja-se o 11 de Setembro e a crise em que estamos submersos e para a qual não existe solução à vista -, acaba de lançar um novo livro intitulado A Cama de Procustes: Aforismos Práticos e Filosóficos que vale a pena ter à cabeceira neste novo início de década.
Os aforismos são uma boa alavanca para o pensamento. Ajudam-nos a sair de nós próprios e a tentar perceber porque é que reagimos de determinada maneira perante as mais diversas situações. Um exemplo: "Lembramo-nos com mais facilidade dos mails que enviamos e que não tiveram resposta do que daqueles a que não respondemos." Porque será? Mais um: "Uma ideia começa a tornar- -se interessante quando ficamos com medo de a levar até à sua conclusão lógica." Sim, é isto. E então?
Passo para o Procustes e para a sua cama. Trata-se de um conto da mitologia grega que nos fala de um homem que dava guarida a viajantes que passassem pela sua propriedade. Em casa tinha uma cama com um determinado comprimento e que ele ajustava a quem lá dormisse. A forma como o fazia não era a mais democrática, pois os que fossem mais pequenos eram brutalmente esticados e os que fossem mais compridos eram decepados. Todos tinham de se encaixar naquela medida de cama. Procustes foi mais tarde vencido por Teseu, que o obrigou a provar do mesmo remédio que receitava aos outros.
O que este escritor e pensador de origem libanesa, que vive nos EUA, pretende com este livro e através desta imagem mitológica é alertar-nos para o mundo de hoje em que tudo está demasiado formatado em ideias e modelos preconcebidos e que muitos (felizmente) já perceberam não irão levar-nos a nenhum lado. Estamos a ser obrigados a encaixar-nos em compartimentos que nos acenam serem os mais adequados à nossa medida, sem pensarmos um segundo na capacidade que temos de sermos nós quem diz como é queremos viver e o que queremos fazer do ponto de vista económico ou social. É muito interessante verificar como Taleb acredita que é só quando partimos em direcção ao desconhecido e aceitamos os limites do nosso conhecimento que conseguimos entender melhor o que se passa à nossa volta.
A melhor forma de reagir ao espírito de rebanho, ao que é global e virtual, é o pensamento. Essa grande capacidade que o homem desenvolveu ao longo de séculos e através da qual construiu o que é ímpar. Pensar é o grande desafio que temos de colocar a nós próprios todos os dias do ano que agora começa sob pena de acordamos mais frágeis do que na realidade já somos.

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