O ano das más notícias

31.12.2008, Rui Ramos

A única coisa de que podemos estar certos acerca de 2008 é que a sua história foi muito mal contada

O fim do ano é sempre paradoxal. Ainda sem termos percebido bem o que aconteceu no ano que está a acabar, eis-nos tentados a adivinhar o que poderá acontecer no ano que vai começar. Como 2008 parece querer terminar numa nota ácida, a aposta mais segura para 2009 é prever uma época sinistra. Em Novembro, Angela Merkel propôs-se logo baptizar 2009 como o "ano das más notícias". Será assim?
A única coisa de que podemos estar certos acerca de 2008 é que a sua história foi muito mal contada. Foi mal contada até meio do ano, quando todos tínhamos já aprendido que a "globalização" fizera subir os preços e que era preciso apertar o crédito para evitar a inflação. E talvez esteja ainda a ser mal contada agora, depois da "crise", quando governos e bancos centrais deitam dinheiro à rua, para prevenir a deflação. Se os nossos profetas não acertaram acerca do que se estava a passar em 2008, mesmo em frente deles, por que razão deveríamos acreditar na sua capacidade para adivinhar o que se há-de passar em 2009?
Ao princípio, convenceram-nos de que o mal estava todo em meia dúzia de banqueiros "criminosos". Agora, com a indústria automóvel de mão estendida aos subsídios, torna-se claro que a chamada "economia real" nunca esteve inocente. Um dia haveremos de ver as coisas ainda mais nitidamente. Talvez cheguemos então a compreender como o esforço dos governos, durante a última década, para adiar a adaptação das sociedades ocidentais à "globalização", nos arrastou até às presentes dificuldades. Entretanto, veremos em 2009 se o endividamento público é mais eficaz do que o privado para manter uma prosperidade que queremos merecer sem ter de trabalhar.
Outra história mal contada foi a da eleição presidencial americana. Ao princípio, esquerda e direita uniram-se para nos apresentarem Obama como o Presidente que ia virar o mundo do avesso, rendendo-se a Ahmadinejad e importando para a América o "modelo social" europeu. Obama foi eleito, mas sem dinheiro para revoluções sociais e com o secretário da Defesa de Bush. Entretanto, o unilateralismo da Rússia no Cáucaso, a ofensiva dos jihadistas em Bombaim e a guerra reeditada na Faixa de Gaza começam a sugerir que, afinal, Bush não era o único problema do mundo. A opção de Obama, até agora, tem sido a de permanecer insondável. Clinton II continua a perspectiva mais plausível. É muito provável que já estejam feitos os sapatos que lhe hão-de atirar.
Em Portugal, também tivemos uma história mal contada: a do "fim de Sócrates", esmagado entre as tenazes da oposição. Uma das tenazes era a acção dos órgãos sindicais do PCP, conhecida no mundo jornalístico pelo pseudónimo de "contestação social". A outra tenaz foi, ao princípio, o irresistível "populismo" de Menezes, depois substituído pela não menos invencível "seriedade" de Ferreira Leite. O PCP cumpriu o seu papel, alugando os necessários autocarros para trazer a função pública a marchar em Lisboa; mas o PSD não funcionou, nem quando pressupôs que o povo era irresponsável (com Menezes), nem quando decidiu fazer de conta que o povo era responsável (com Leite). Talvez a oposição precise de mudar de povo para mudar de governo.
Nas previsões mais pessimistas para 2009, há uma espécie de optimismo ao contrário: a de que o ano novo nos trará, a bem ou a mal, um mundo novo. Queremos notícias sensacionais, mesmo que más: a crise no seu auge, uma grande decisão dramática de Obama, uma convulsão política em Portugal. Desde 2001 que andamos preparados para um apocalipse. O Iraque prometia uma catástrofe vietnamita: tudo acabou, no entanto, com um acordo de retirada. Al Gore, com o seu aquecimento global, também gerou esperanças - mas afinal, continua a chover e a fazer frio. Muito provavelmente, 2009 irá decepcionar-nos. Continuaremos à espera do "pior da crise", Obama conservará o seu mistério, e as sondagens recusar-se-ão a alegrar a oposição portuguesa. A pior notícia talvez venha a ser a falta de grandes notícias.
A evolução pós-constitucional da república portuguesa. 29 de Dezembro de 2008, com a promulgação do Estatuto Político-Administrativo dos Açores pelo Presidente da República, ficará como uma das datas fundamentais da democracia portuguesa. Foi o momento em que, libertando-se dos últimos vestígios de pudor, a classe política assumiu que em Portugal os mais pequenos interesses eleitorais dos partidos estão acima da lei e do respeito pela lei. Há Estados de direito, e há Estados de partidos. O nosso é manifestamente desta segunda espécie. O Presidente da República avisou o país. Mas haverá um país para o ouvir?

Historiador

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