O FMI não é o Pai Natal

Zita Seabra
JN 2010-11-14
Nas últimas semanas, tem-se falado muito da vinda do FMI em dois sentidos: com um ar de ameaça, como se diz às crianças que vem aí o papão, e outro com o ar de alívio como quem chama a Polícia para pôr ordem na própria casa, perante a evidência da incapacidade de o fazer.
Se tal vier a acontecer é a terceira vez desde o 25 de Abril que, em Portugal, perante a incapacidade de nos governarmos, entra o FMI. Endividamo-nos, gastamos o que temos e o que não temos, não produzimos para os gastos, os governantes adoram ser "bonzinhos" com o dinheiro do Orçamento do Estado, construímos auto-estradas sem portagens, semeamos estádios, fazemos piscinas com ondas na Covilhã e futebol de praia em Trás-os-Montes, nomeamos boys e girls, fazemos festas e capitais disto e daquilo, atiramos foguetes e fogo-de- artifício até levar o país à falência. Não sei se algum Estado da Europa Ocidental e mesmo da Europa no seu todo, necessitou já de duas vindas do FMI e está na iminência de uma terceira. Creio que não, que mais nenhum deu tamanha prova de incapacidade de se governar e de gerir as suas finanças públicas, num evidente desprezo pela independência nacional.
Perante o descalabro da governação, fala-se cada vez mais da vinda do FMI como se o Fundo pudesse decidir vir ou, pior ainda, como se uma estranha entidade externa, de repente, qual directora de uma escola primária de meninos mal comportados, decidisse vir pôr ordem na nossa turma e tomar conta de nós, portugueses.
Não é assim e não foi assim nas duas vezes anteriores. O FMI foi chamado pelo Governo, mas, mesmo depois de chamado, não veio "a correr" tratar de nós. O FMI já esteve duas vezes em Portugal, em 1977 e em 1983, entrou a pedido do Governo de então e do Parlamento,e quando se conjugou uma situação económica sem saída com uma situação política incapaz de governar.
Em 1977, Portugal tinha saído da revolução de Abril, com nacionalizações, reforma agrária e barricadas na rua. Havia um evidente abismo entre o poder político eleito, general Ramalho Eanes na Presidência, o Governo e a rua. Na rua, sindicatos, cooperativas agrícolas, associações de estudantes, e muitos a todos níveis das Forças Armadas, tinham os olhos e o coração postos na União Soviética, enquanto o Governo pedia a adesão à União Europeia.
Em 1977, o presidente Eanes fez uma célebre comunicação que abriu caminho à entrada do FMI em Portugal e falou na necessidade de uma maioria governamental sólida, estável e coerente. O Fundo Monetário Internacional não entrou sem ser assegurada uma maioria estável, sólida e coerente. Foi o Governo PS/CDS.
Em 1983, a maioria estável , sólida e coerente foi o Governo de coligação PS/PSD, o Governo do Bloco Central. Foi a condição política essencial e prévia à entrada em Portugal.
É uma evidência que o FMI não é uma corporação de bombeiros que vai às cegas a qualquer sinal de fumo. O FMI também não é o Pai Natal que chega com um saco cheio de prendas, mesmo para os meninos que não fizeram os trabalhos de casa na escola. O FMI impõe condições políticas para entrar no país. Impôs das duas vezes que veio e não virá agora sem elas. E essas condições passam por uma maioria estável, sólida e coerente no Governo e no Parlamento e nunca pelas falsas soluções do primeiro-ministro José Sócrates, que em Macau falou de acordos de incidência parlamentar e outras vagas ideias que não existem como solução política em tempo de crise grave, nem aos olhos do FMI, da União Europeia ou dos investidores internacionais. Luís Amado sublinhou-o na entrevista que deu ontem.
A forma tristemente desesperada com que José Sócrates se arrasta no Governo, repleto de ministros paralisados e desnorteados, levando dia-a-dia o país mais para o abismo, seria apenas um triste espectáculo se não víssemos todos os dias trabalhadores despedidos por mail ou por carta. Assim, resta contribuir para que esta triste fase do país acabe o mais rapidamente possível.
Se alguém conhece bem as condições políticas prévias que o FMI põe para entrar num país e sabe que sem solução política não há termo para a crise económica, é o presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Em 1977, um jovem economista do Banco de Portugal, especialista em finanças públicas teve, se bem me lembro - como diria o Nemésio -, um papel determinante nas negociações havidas. Chamava-se Cavaco Silva.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António