Um homem perigoso

Para mim, mais importante do que o juízo sobre as pessoas envolvidas, é a apreciação que VPV faz de algumas regras de etiqueta e reserva que foram “inventadas” para evitar que as “coisas tendam a degenerar”.

Público, 2010.04.11 Vasco Pulido Valente



No último sábado, o director do Expresso, Henrique Monteiro contou uma história, que só se podia ter passado em Portugal e, em Portugal, só talvez com Sócrates. Para começar, convém dizer que o director do Expresso e o primeiro-ministro se tratam por "tu". Henrique Monteiro explica esta curiosa singularidade com o argumento de que, "como jornalista, acompanhou o PS durante anos". O que não é muito convincente. Acompanhasse ou não acompanhasse o PS, nada o impedia, e tudo o aconselhava, a manter a uma certa distância dos políticos sobre quem escrevia, como tudo aconselhava os políticos (fossem eles quais fossem) a não se aproximarem excessivamente dos jornalistas que escreviam sobre eles. Quer se queira quer não, o uso familiar do "tu" cria uma certa intimidade; e prejudica o respeito e a cerimónia numa relação profissional. Pior ainda, limita a liberdade das duas partes: não se diz de um "amigo", "chegado" ou não, o que se diz de um indivíduo exclusivamente conhecido como dirigente de um partido ou membro de um governo.

De qualquer maneira, uma pessoa prudente (e penso aqui nas duas partes deste lamentável episódio) deveria pôr termo a essa espécie de turva convivência, logo que Sócrates chegou a secretário de Estado, ministro e, principalmente, a primeiro-ministro. Não se fala com um representante do Governo ou com o chefe do Governo como se fala com um deputado e menos com um cidadão vulgar. Com um representante do Governo estão sempre implicitamente em causa interesses que, como o director do Expresso veio a constatar, exigem um módico de formalismo e gravidade.

Sem isso, as coisas tendem a degenerar. Sócrates, por exemplo, segundo sábado escreveu Henrique Monteiro, não hesitou em lhe telefonar numa grande exaltação, para lhe pedir que não publicasse uma notícia (confirmada) sobre o "caso da licenciatura". Houve uma extraordinária gritaria e parece que Monteiro nunca vira um "ser humano tão exasperado, tão fora de si" e "tão desagradavelmente mal-educado". Mas Sócrates não ficou por aqui. Mais tarde - e como o Expresso publicou, de facto, a famigerada notícia - insinuava num jornal do Porto que Henrique Monteiro era cobarde e, na Visão, declarou (falsamente) que ele deturpara (no título) o sentido de uma entrevista anterior. Este inqualificável enredo prova dois pontos. Por um lado, que a obsessão de Sócrates com a sua imagem o faz perder o autodomínio e a dignidade do cargo que exerce. E, por outro, que a proximidade do homem é perigosa. E mostra também, acessoriamente, que algumas regras tradicionais de etiqueta e reserva não se inventaram por acaso. O "porreirismo" português não se recomenda e é um sinal de incivilização e de atraso.


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