Murcharam os cravos

DN 2010.04.28 Carlos Abreu Amorim

As comemorações do 25 de Abril resvalaram em cerimónias funcionalizadas, secas, maçadoras, desprovidas de significado real ou alegórico para o País. Foram os discursos esperados, repisados, com as mesmas laudes aos putativos heróis recorrentemente citados, com as proclamações vazias e as juras políticas afins às dos anos anteriores e continuamente incumpridas - a excepção foi Aguiar-Branco, que, pelo menos, conseguiu induzir algum humor provocatório naquela baça manhã de domingo.

O Presidente da República ainda tentou fabricar alguma confiança - mas fundar a reabilitação de um país arruinado por longas décadas de má governação no mar e nas indústrias criativas do Porto tresandou a um desejo de esperança já desesperada.

Este regime atingiu um ponto tal de descrença em si próprio que já nem sequer consegue celebrar-se com o mínimo de convicção.

Não admira - direitos fundamentais e Guerra Colonial à parte, pouco distingue o Portugal de hoje do País entristecido que sobrevivia no fim do regime anterior. Tal como em 1974, somos agora um dos lugares mais atrasados da Europa. Hoje, também, a nossa economia está atascada na cumplicidade negocial dos grandes grupos económicos com o Estado. Como então sucedia, em Portugal não há mercado - há conluio. Mantemos as desigualdades sociais e económicas mais dilatadas e a administração mais centralizada, ineficiente e cara dos países com os quais gostamos de nos comparar.

Não foi por acaso que nos perpetuamos nesta infeliz condição. Se exceptuarmos um dos governos de Mário Soares e a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva, o resto da go-vernação constituiu uma espécie de competição em que cada Executivo procurava comprovar que ainda conseguia governar pior do que o anterior - e com êxito assinalável, convenhamos.

Mas o lado mais irrevogável da crise em que marinamos não é financeiro. A probidade dos homens públicos desceu a níveis de subsolo - sempre sob os olhos complacentes do sistema de justiça, este, sem dúvida, convertido no maior malogro da democracia. O recente acórdão da Relação de Lisboa no caso Névoa veio comprovar que, do legislador ao decisor, ainda se não apreendeu a lição de um grande jurista do séc. XIX, Jhering, que ensinava "não existir lei capaz de nos fazer esquecer o valor da inteligência". As polícias estão reduzidas à indigência de meios, os magistrados confundem a sua missão de decidir com a busca incessante em angariar pretextos formais para não o fazerem e sobejam as condenações internacionais de Portugal por decisões desmedidamente retardadas.

Tal como a monarquia, a I República e o Estado Novo, o regime que o 25 de Abril impôs falhou grande parte das suas apostas essenciais. E, pior, parece ter perdido a aptidão para se regenerar.

Resta-nos a União Europeia. Só a disciplina orçamental que esta nos obriga e os milhões que nos vai oferecendo impedem que Portugal desfaleça ainda mais. Porque, entregues a nós próprios, só nos sobraria esperar por um novo Salgueiro Maia que quisesse acabar com "o estado a que isto chegou". Para, alguns anos depois, claro, tudo voltar a ficar como dantes.


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