Servi Portugal e servi Coimbra - despedida do Parlamento de Matilde Sousa Franco

INTERVENÇAO

Deputada Matilde Sousa Franco

23 de Julho de 2009


Senhor Presidente
Senhoras Deputadas e Senhores Deputados

Nos quatro anos e meio da Legislatura, esta é a segunda vez e a última em que intervenho no Plenário.

Sempre fui interessada por Política e defensora do socialismo democrático, nalguns países considerado social-democracia, seguindo os princípios do meu Mestre António Sérgio.

Foi enorme honra o convite que o Senhor Secretário-Geral do PS me fez para eu ser cabeça de lista (a única mulher nesta situação), independente, dos Deputados por Coimbra, nas últimas Legislativas.

Aquando do convite fui reler a Constituição; o Artigo 155º “Os deputados exercem livremente o seu mandato”, e o facto de eu ser independente tranquilizaram-me, assim como o Programa do Governo. Antes de aceitar este imenso desafio, com a maior lealdade, pus algumas condições: estando no Programa Eleitoral o referendo à IVG e defendendo o Partido a liberalização do aborto, anunciei ser radicalmente contra e querer, em transparência, dizê-lo antes das eleições (o que fiz), esclareci ir fazer campanha contra, não ter feitio apenas para me abster, não poder jamais votar contra a minha consciência e ser católica.

Tendo sido acordadas estas questões, aceitei o convite com imenso gosto e entusiasmo para servir Portugal, servir Coimbra.

Tenho profunda ligação a Coimbra: fiz questão de celebrar aí o meu casamento (em 1983, com o também lisboeta Prof. Doutor António de Sousa Franco) e só deixei de viver e trabalhar nessa cidade devido ao casamento. Em 1982 fui tornada estudante de Coimbra honorária, a única pessoa a ter essa prerrogativa, como ainda há semanas foi recordado aquando da Queima das Fitas. A “Lusa Atenas” sempre fez parte do meu percurso.

Dos momentos mais impressivos que guardo da campanha eleitoral foi o entusiasmo suscitado pelo meu discurso sobre o Amor em sentido lato e como este pode transformar o Mundo, de acordo com o que sempre defendi.

Outro objectivo que naturalmente me norteia é a valorização nacional e internacional de Coimbra.

O PS no difícil distrito de Coimbra obteve nas Legislativas de 2005 45,43%, a 3ª melhor votação desde o 25 de Abril, superando em 13,50% o PSD, os dois únicos partidos com Deputados.

Quanto à valorização do distrito sobretudo a nível internacional, ando nessa luta desde há quase três décadas. Em 17 de Março de 1982 fiz oficialmente o pedido para a inscrição do Centro Histórico de Coimbra na lista do património mundial da Unesco, o que, em 7 de Junho desse ano, obteve parecer favorável do Secretário de Estado da Cultura Lucas Pires. Teria sido a primeira e bem merecida classificação mundial em Portugal,  e ter-se-ia entretanto melhorado imensamente toda a região.

De 1980 a 1984 fui directora do Museu Nacional de Machado de Castro nessa cidade e descrevi na publicação “O Programa” Coimbra Antiga e a Vivificação dos Centros Históricos” promovido pelo Museu Nacional de Machado de Castro em 1981/1983” um vasto conjunto de iniciativas pioneiras, entre as quais esse pedido de classificação. Com base no parecer do técnico da Unesco Prof. Arquitecto Donald Insall, que consegui levar então a Coimbra, a minha ideia era considerar no Centro Histórico a Alta, a Baixa e a Baixinha, os principais monumentos da outra margem do Mondego e outros monumentos dispersos.

Durante estes quase 28 anos, sempre tenho acompanhado o processo de classificação e, evidentemente, insisti nele na campanha eleitoral e ao longo da Legislatura, mas desde há anos não poderá ser um projecto tão abrangente, devido a ocorrências diversas. O pedido de classificação restringiu-se, agora, apenas à Universidade, o que retira mais de mil anos de História, e dezenas de monumentos, diminuindo imenso a importância de Coimbra, com o que discordo.

Em 2008, escrevi no Parecer para a aprovação da “Convenção-Quadro do Conselho da Europa relativa ao Património Cultural para a Sociedade” que “a filosofia geral desta Convenção… está completamente de acordo com o que venho defendendo e praticando há décadas…”, como se pode confrontar quanto a Coimbra, mas ainda antes e depois.

No Parecer para a aprovação da “Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial “da Unesco avancei logo com os pedidos de classificação de alguns bens, em que privilegiei o meu distrito, tendo sido aprovado por unanimidade não só na Comissão, mas no Plenário da Assembleia da República: o Fado de Coimbra (também o Fado de Lisboa), as Festas do Espírito Santo (identitárias de comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo e realizadas também no Distrito de Coimbra). Acrescentei depois o pedido de igual classificação para a história/lenda de Inês de Castro.

Aqui estão quatro mais valias de alcance mundial para Coimbra, as quais podem inclusivamente atrair abundante turismo.

Noutro Parecer que fiz também para a Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas sugeri a colocação na Estónia, em Tallin, de uma escultura de Dona Berengária, filha de D. Sancho I que, quando rainha da Dinamarca, contribuiu, cavalgando ao lado do marido, na fundação dessa capital. O Embaixador da Estónia e outras entidades ficaram entusiasmados com esta proposta.

A Economia da Cultura é mais rentável do que, por exemplo, o imobiliário. Para o meu distrito, apresento mais sugestões, como roteiros de criptopórticos romanos, centros moçárabes, primeiras “capitais” de países europeus, universidades medievais, etc.. Já na campanha eleitoral e há cerca de dois anos numa conferência na Associação Comercial e Industrial de Coimbra (ACIC) defendi as pequenas e médias empresas e a revitalização de multisseculares tradições regionais, como a cerâmica, a escultura, os artefactos em metal, os trabalhos ligados à recuperação do património cultural.

Procurei diversas formas de destacar Coimbra na Europa e no Mundo, desenvolvendo economicamente a região.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados

Refiro agora aspectos mais genéricos do meu trabalho enquanto Deputada, pois gostava que houvesse melhor Democracia: considero essencial que haja maior aproximação dos Deputados aos eleitores, que a qualidade do processo legislativo melhore, que os Deputados tenham mais autonomia e que os independentes o possam ser facilmente.

Para minha completa surpresa, quando cheguei à Assembleia da República foi-me de imediato imposta a disciplina de voto em tudo e, ainda por cima, inesperadamente, começaram a surgir uma série de diplomas com os chamados temas fracturantes e outros, não incluídos no Programa Eleitoral, além de o Código do Trabalho ter sido alterado. Assim, tem sido naturalmente muitíssimo difícil o meu exercício de Deputada a que nada me prende a não ser o compromisso moral de desempenhar esta comissão de serviço da Legislatura, o que me levou muitas vezes a desejar sair. Conforme o previamente combinado com o Senhor Secretário-geral, e com a minha coerência de toda a vida, fui apoiando propostas oriundas da esquerda e da direita, ou simplesmente da minha consciência, numa posição complexa e a qual me deu profundas angústias.
Refiro agora apenas que perante a unanimidade de todo o Hemiciclo a favor da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos, da qual soube em cima da hora, só não votei contra porque já tinha anunciado (na sequência de posições anteriores) ir votar nesse dia contra o PS em cinco diplomas relativos ao Código do Trabalho, o que fiz. Assim, na Lei do Financiamento houve em todos os partidos apenas duas vozes discordantes, uma contra, e a minha abstenção.

Creio que entre os Deputados me sucedem aspectos “sui generis”: tendo sido longos anos professora universitária, só me fora antes permitido falar no Plenário uma única vez e durante cerca de três minutos, pelo que resolvi “falar” através de dezenas e longas Declarações de Voto escritas. Dizem que sou a única Deputada que já foi funcionária da Assembleia da República; fui museóloga do Parlamento durante cerca de cinco anos, até Maio de 1995, tendo tido à saída um Louvor dado por unanimidade de todos os partidos políticos.

Deputados e Funcionários estamos irmanados a servir o Parlamento e aqui deixo amigas despedidas a todos, assim como ao Senhor Presidente, Membros da Mesa, Lideres Parlamentares, Jornalistas, pois há meses anunciei não estar disponível para outro mandato.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados

Com a liberdade que combinara com o Senhor Secretário-Geral, como Deputada, ao longo de quatro anos e meio, lutei por uma sociedade mais igualitária e solidária, onde, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito á protecção desta e do Estado”.  Bati-me pela verdade e pela vida, que implica sobretudo os mais fracos: moribundos, idosos, doentes, deficientes, crianças, trabalhadores, desempregados, pobres, etc.
Constantemente insisti, supliquei, para que Portugal dê exemplos mundiais, em várias áreas de Humanismo, para que o Século  XXI seja, finalmente, o Século dos Direitos Humanos.

A área em que mais tenho insistido é a do Humanismo na Pedagogia, com a sugestão inovadora que faço desde 2005 (na Assembleia da República desde 2007) da criação do 1º ao 12º ano de escolaridade de uma cadeira obrigatória a que dei o apelativo nome de Educação para a Felicidade e a qual terá por base a moderna ciência da inteligência emocional e social, que nos ensina a gerir bem as nossas emoções dentro de nós e nos nossos relacionamentos. Está provado que o nosso êxito depende 80% do Quociente Emocional (Q.E.) e 20% do Quociente de Inteligência (Q.I.). A cadeira deve ter diversas componentes como: ética, saúde, primeiros socorros, nutrição, sexualidade, modo de gerir o quotidiano, alegrias, frustrações, desgostos (entre os quais a morte), educação contra a violência, educação para a preservação do meio ambiente e do património cultural, normas de segurança, educação para a cidadania em moldes também mais actuais, fazendo com que haja maior tolerância, mais diálogo inclusivamente intercultural, mais Paz.

Se eu, modesta Deputada independente, com 66 anos cheios de desgostos e faltas de saúde (mas de espírito jovem que me levou a experimentar andar de moto eléctrica), conseguir apoios para que Portugal seja agora vanguardista dos Direitos Humanos, designadamente com a criação da cadeira de Educação para a Felicidade, sentir-me-ei mais feliz. Nunca fiz viagens pagas pelo Parlamento, mas farei assim a única que me interessa: ao Portugal do futuro como referência mundial dos Direitos Humanos, da Paz e do Amor.

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