'Ó PORTUGAL HOJE ÉS NEVOEIRO...'
João Luís César das Neves, DN 080107
São já evidentes os sinais que o consulado Sócrates deixará na vida nacional. O País está diferente, muito diferente. Mais sombrio, mais confuso, mais medroso. Deve ser dito em seu abono que isto não vem dos propósitos do Governo. Os ministros ficam confusos com o escorregar insensível do sistema, empurrado não por políticas, mas por danos colaterais.
José Sócrates, edição revista e corrigida de António Guterres, eliminou o aspecto bonacheirão e incompetente e introduziu um ar mais dinâmico e cuidadoso. Sob a obsessiva maquilhagem mediática tem tomado medidas importantes e obtido resultados significativos. Mas sempre perplexo com a teimosa paralisia da economia, causada por três elementos que corroem o tecido nacional.
Primeiro, a austeridade atabalhoada. A derrapagem de Guterres e sucessores impunha o rigor financeiro, que o Governo abraçou com coragem e sem convicção. Foram conseguidos resultados no Orçamento, mas tratando os sintomas, não a doença. Cortou-se onde se podia, não onde se devia. Enfrentaram-se os interesses instalados, sem os deslocar. O buraco está só oculto. Ressurgirá. Entretanto sacrificam-se instituições, quebram-se equilíbrios, mina-se a moral dos serviços. A administração ficou mais rude, a solidariedade mais burocrática, a sociedade mais desigual.
O sinal está nos números. Declarações firmes, cortes arrojados e protestos ruidosos apregoam que vivemos em abstinência. Mas em quatro anos (de 2005 ao previsto para 2008) a despesa global da administração pública aumentou um total acumulado de 15%, a despesa corrente primária 21%, as receitas fiscais 26%. O défice desceu espremendo a economia.
Segundo elemento, a tentação totalitária. Com a maioria absoluta e os resultados das sondagens o atávico apetite dirigista dos socialistas tornou-se irresistível. Os objectivos são meritórios, da luta contra a evasão fiscal, aquecimento global e tabagismo à protecção da cultura, sociedade laica e segurança nas estradas. O resultado é uma intolerável intromissão regulamentar, maníaca inspecção e generalizada desconfiança. Repetem-se as provocações patetas à Igreja e tradição. O Governo sacrifica a liberdade no altar da esterilização. Está abafado viver em Portugal.
O símbolo aqui é a homérica entrevista do director da ASAE ao semanário Sol (29/12/2007). Julga-se funcionário zeloso mas é caricatura alimentícia da Gestapo. Embriagado de estatísticas e regulamentação europeia, ignorante da realidade económica e insensível às consequências sociais, ergue-se como bloqueio fundamentalista e arrogante ao progresso e iniciativa empresarial. Num país vivo seria preso. Neste paroxismo boçal já se vê condecorado.
Terceiro elemento, a deriva corporativa. Fala-se de compadrios e corrupções, acusa-se a influência surda da Maçonaria. Acima de tudo é palpável o crescente senhorio de uma nomenklatura pós-moderna instalada nos corredores do poder.
A saga do BCP manifesta este traço. O Governo é inocente na calamidade daquela que permanece uma empresa por acções. Mas o efeito final, qualquer que seja, significa a captura de um centro de decisão nacional por quadros do PS ou PSD. Um dos poucos poderes independentes da sociedade civil caiu na rede da actual nobreza suburbana.
Discursos e estatísticas animam Portugal, mas os êxitos e perspectivas são tão artificiais quanto os sonhos do plano tecnológico e a charada do novo aeroporto. Só existem lucros sob o halogéneo dos centros comerciais, porque a ilusão da austeridade, a tentação totalitária e a deriva corporativa afundam a economia no marasmo sorridente.
Como símbolo global da legislatura ficará o Tratado de Lisboa. Um diploma incompreensível e sem significado que embrulha a realidade intrincada num consenso aparente. A presidência portuguesa, sem nenhuma agenda fora do circo diplomático, ainda está convencida que aquela grotesca palhaçada foi um sucesso. O sorriso tolo da foto de família consagra a mediocridade europeia. Atrás vê-se "este fulgor baço da terra que é Portugal a entristecer".
José Sócrates, edição revista e corrigida de António Guterres, eliminou o aspecto bonacheirão e incompetente e introduziu um ar mais dinâmico e cuidadoso. Sob a obsessiva maquilhagem mediática tem tomado medidas importantes e obtido resultados significativos. Mas sempre perplexo com a teimosa paralisia da economia, causada por três elementos que corroem o tecido nacional.
Primeiro, a austeridade atabalhoada. A derrapagem de Guterres e sucessores impunha o rigor financeiro, que o Governo abraçou com coragem e sem convicção. Foram conseguidos resultados no Orçamento, mas tratando os sintomas, não a doença. Cortou-se onde se podia, não onde se devia. Enfrentaram-se os interesses instalados, sem os deslocar. O buraco está só oculto. Ressurgirá. Entretanto sacrificam-se instituições, quebram-se equilíbrios, mina-se a moral dos serviços. A administração ficou mais rude, a solidariedade mais burocrática, a sociedade mais desigual.
O sinal está nos números. Declarações firmes, cortes arrojados e protestos ruidosos apregoam que vivemos em abstinência. Mas em quatro anos (de 2005 ao previsto para 2008) a despesa global da administração pública aumentou um total acumulado de 15%, a despesa corrente primária 21%, as receitas fiscais 26%. O défice desceu espremendo a economia.
Segundo elemento, a tentação totalitária. Com a maioria absoluta e os resultados das sondagens o atávico apetite dirigista dos socialistas tornou-se irresistível. Os objectivos são meritórios, da luta contra a evasão fiscal, aquecimento global e tabagismo à protecção da cultura, sociedade laica e segurança nas estradas. O resultado é uma intolerável intromissão regulamentar, maníaca inspecção e generalizada desconfiança. Repetem-se as provocações patetas à Igreja e tradição. O Governo sacrifica a liberdade no altar da esterilização. Está abafado viver em Portugal.
O símbolo aqui é a homérica entrevista do director da ASAE ao semanário Sol (29/12/2007). Julga-se funcionário zeloso mas é caricatura alimentícia da Gestapo. Embriagado de estatísticas e regulamentação europeia, ignorante da realidade económica e insensível às consequências sociais, ergue-se como bloqueio fundamentalista e arrogante ao progresso e iniciativa empresarial. Num país vivo seria preso. Neste paroxismo boçal já se vê condecorado.
Terceiro elemento, a deriva corporativa. Fala-se de compadrios e corrupções, acusa-se a influência surda da Maçonaria. Acima de tudo é palpável o crescente senhorio de uma nomenklatura pós-moderna instalada nos corredores do poder.
A saga do BCP manifesta este traço. O Governo é inocente na calamidade daquela que permanece uma empresa por acções. Mas o efeito final, qualquer que seja, significa a captura de um centro de decisão nacional por quadros do PS ou PSD. Um dos poucos poderes independentes da sociedade civil caiu na rede da actual nobreza suburbana.
Discursos e estatísticas animam Portugal, mas os êxitos e perspectivas são tão artificiais quanto os sonhos do plano tecnológico e a charada do novo aeroporto. Só existem lucros sob o halogéneo dos centros comerciais, porque a ilusão da austeridade, a tentação totalitária e a deriva corporativa afundam a economia no marasmo sorridente.
Como símbolo global da legislatura ficará o Tratado de Lisboa. Um diploma incompreensível e sem significado que embrulha a realidade intrincada num consenso aparente. A presidência portuguesa, sem nenhuma agenda fora do circo diplomático, ainda está convencida que aquela grotesca palhaçada foi um sucesso. O sorriso tolo da foto de família consagra a mediocridade europeia. Atrás vê-se "este fulgor baço da terra que é Portugal a entristecer".
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