Um breve texto moralista a pretexto de uma rábula do Bruno Nogueira


TIAGO CAVACO   http://vozdodeserto.tumblr.com/    12.12.2017


Estou a escrever este texto porque, depois de ter lido um do meu amigo Filipe Avillez, fui ouvir uma rábula radiofónica do Bruno Nogueira, que passou esta passada Sexta-Feira, 8 de Dezembro. Nesses poucos mais de três minutos de rádio, o Bruno Nogueira fazia humor a partir da Imaculada Conceição de Maria, que nos dá o feriado (caindo num erro de confundir a Imaculada Conceição de Maria com o nascimento virginal de Cristo, como o Filipe Avillez explica).

Quero começar por fazer três qualificações prévias:

1. Sou um cristão reformado (ou protestante, ou evangélico, escolham o que preferirem). Não acredito na Imaculada Conceição de Maria (o que não deve ser confundido com o nascimento virginal de Cristo, no qual creio - é uma doutrina fundamental da ortodoxia cristã). Tentando ser respeitoso com os meus companheiros católicos romanos, quero, ainda assim, afirmar claramente que tenho esse dogma como uma invenção. Se o tivesse como verdadeiro, defendia-o. Este texto não serve para defender doutrinas que não têm qualquer fundamento nas Escrituras.

2. Como cristão reformado que sou, já no passado fiz o que o Bruno Nogueira fez. Já fiz humor com o dogma da Imaculada Conceição. E mesmo que o meu humor no passado possa ter sido de gosto duvidoso (fiz há muitos anos a mesma piada de ser José quem merece elogios por supostamente ter convivido com a virgindade permanente de Maria - coisa em que não acredito, pois creio que a Bíblia é clara a afirmar que Jesus tinha irmãos e esta interpretação tem a idade do Novo Testamento), este texto não defende que não se possa fazer piadas com dogmas como a Imaculada Conceição de Maria.

3. Como cristão que sou, há ocasiões em que me rio com o Bruno Nogueira. Confesso que há uns dias espreitei no YouTube uma das velhas emissões do Curto Circuito na Sic Radical em que a dinâmica entre o Bruno e o Rui Unas nos dava alguns momentos televisivos memoráveis. Este texto não serve para atacar o Bruno Nogueira nem o talento que, volta e meia, lhe reconheço.

No entanto, e aqui tendo chegado, gostava de dizer, não sem algum amigável paternalismo, que:

- o humor anti-católico é, para mim e na maior parte das vezes, o mesmo que bater num gordo lá da escola que sabemos de antemão que geralmente não responde. Tolerem a fraca ilustração por mais uns instantes, por favor. A Igreja Católica Romana é gorda na medida em que ocupa muito espaço no nosso país. Roma já cá estava antes que Portugal chegasse a Lisboa, por isso ela tem sempre muito por onde se lhe pegue. Ora, pegar-lhe para piadas tem, no ambiente secularizado e de esquerda que reina na comunicação social, zero de coragem. Mas alguém pode dizer, pegando na minha fraca ilustração: atenção que a Igreja Católica Romana não é um gordo qualquer - é um gordo sobre o qual se diz ter ligações ao Conselho Directivo da escola. Ok, percebo a ideia. Confesso até que uma das coisas que me irrita no catolicismo contemporâneo é precisamente este sentimento de Dono Disto Tudo que, em vez de querer ajustar contas, se torna numa perversa ausência de resposta. Os católicos romanos tornaram-se tão civilizados hoje que são poucos os que se ainda ofendem com alguma coisa (e isto agora dava pano para mangas onde vos explicava da situação filosófica complicada onde o catolicismo se encontra sobretudo desde o Vaticano II, mas vocês não tinham como seguir-me nestes meandros históricos). Mas não é pelo facto de se dizer que o gordo da escola tem ligações ao Director que lhe vou bater. Bruno, podes ser mais corajoso no humor que fazes.

- Em segundo lugar, associar o catolicismo a Salazar (como o Bruno Nogueira deixa implícito) é aquela piada que repetimos porque é nula a probabilidade de alguém que sabe mais de história estar no grupo onde a contamos. Que Salazar se relacionou com a Igreja Católica Romana e vice-versa é óbvio. Como é que seria possível alguém existir em Portugal sem ter de ter um relacionamento com a Igreja Católica Romana? Até eu tenho um relacionamento com ela, céus. Sou português, logo relaciono-me com a Igreja Católica Romana. No entanto, o “Salazar Loves Roma e Roma Loves Salazar” talvez seja um coraçãozinho que não podemos desenhar tão facilmente com o nosso canivete de hoje nas árvores da Gulbenkian - lá estou eu a resvalar outra vez para outra metáfora, e bem fraca. Onde quero chegar: Bruno, tendo em conta o tanto que se tem escrito sobre a relação entre Vaticano e Salazar, podes ser historicamente menos preguiçoso no humor que fazes.

- Em terceiro e último lugar, creio que a visão do estado laico do Bruno Nogueira exige milagres intelectuais maiores do que o da Imaculada Conceição de Maria. Creio que também fica implícito no que o Bruno diz que Portugal, por ser um estado sem religião oficial, não deveria ter feriados religiosos. Gostaria de saber que tipo de feriado é que não convoca um tipo de pensamento religioso. Por exemplo, quando celebramos o 25 de Abril, celebramo-lo porque transferimos para ele um significado de liberdade. Mas até que ponto é que a liberdade que benevolamente transferimos para o feriado do 25 de Abril nos pede algo assim tão diferente daquilo que nos pede um feriado religioso? Faço esta pergunta honestamente e sem cinismo. Onde é que termina o facto e começa o “querer acreditar” num feriado que, apesar de não ser religioso, também transmite um ideal? Ora, para mim que sou um cristão reformado que tem a Imaculada Conceição como uma invenção (nesse sentido, estou na mesma posição de descrente do Bruno), não me passa pela cabeça despir o meu país da sua relação com a história e a religião, independentemente de aderir ou não ela - também não é isso que descreve uma cultura verdadeiramente civilizada? Nesse sentido, e por fim: Bruno, podes ser um cidadão mais tolerante com as convicções dos outros que te parecem infundadas.

Se assim for, todos usaremos de maior graça uns com os outros. Sermão terminado. Vão em paz e tratem-se melhor uns aos outros.

P.S. Por outro lado, e apenas passadas algumas horas de escrever este texto, e reconhecendo que os nossos tempos de internet não nos ajudam a ser sábios, entristece-me a indiferença do Bruno ao que que é sagrado para alguns. O pior nisto tudo é que este novo sentido de humor (?) ao qual estamos a chegar é muito triste. Nem chega a ser propriamente herético, porque os hereges são geralmente mais sofisticados no conhecimento religioso que têm. É apenas triste. Estamos todos cada vez mais indiferentes uns aos outros e entretidos desde que haja uma gargalhada fácil. Que cultura que nos estamos a tornar…

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