A casa das perguntas

MIGUEL ESTEVES CARDOSO   PÚBLICO   1.9.17 

Quando o meu neto Vicente foi à praia da Bafureira virou-se para a mãe e perguntou "isto é a casa do mar?"

Não é preciso lá ir para perceber. Não são só as palavras - é a pergunta que é bonita. Tenho pena de não me lembrar de ter três anos de idade mas tenho, à mesma, saudades daquele ponto de interrogação e da confiança absoluta que representa: se esta praia fôr, de facto, a casa do mar, a minha mãe há-de saber e vai-me dizer a verdade.

Tenho saudades da ideia que não são só as pessoas que têm casa. Tudo tem casa: o mar, as cores, as unhas dos dedos. Tudo tem mãe. Tudo tem pai. Tudo é perguntável. Tudo é dizível. Estamos apenas a uma pergunta de saber tudo.
É tão bom querer saber, não ter medo de perguntar. Isso só se perde se quisermos, se preferirmos a ilusão auto-propagandística de já sabermos o suficiente.

A mãe dele, a Sara, soube responder com uma pergunta: "Como assim, filho?" Como quem diz "vou querer mais pormenores poéticos, meu querido". O Vicente explicou que a casa do mar era onde o mar morava. Era o sítio para onde voltava ao fim do dia. Era o sítio onde dormia e acordava.
Lembro-me da desilusão quando ouvia os meus pais responder "não sei" às minhas perguntas. Como era possível que estes meus amores omniscientes não soubessem? Até me lembro da minha primeira desconfiança: será que sabem mas não me querem dizer? Faltar-lhes-á paciência, tempo, generosidade?

Depois comecei a ler e voltei a pensar que tudo o que se podia saber estava nos livros. Ainda penso isso.

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