Ou morfina ou uma bala

INÊS DIAS DA SILVA    2.12.16


Quem queira perceber melhor a distinção entre morte e eutanásia, encontra no acabado de estrear filme de Mel Gibson, um episódio esclarecedor. 


Hacksaw Ridge ou ‘O Herói de Hacksaw Ridge', como traduziram em Portugal conta a história da tomada de Hacksaw Ridge aos Japoneses por um regimento do exército Americano na II Grande Guerra. Hacksaw Ridge, na costa do Japão, foi o cenário para uma carnificina, certamente banal para aquela guerra, mas para nós absolutamente impressionante (ficam os mais sensíveis, desde já avisados).

"Ou morfina ou uma bala"

O herói da história, é um soldado desarmado. O primeiro objetor de consciência a receber a medalha congressional de honra, a quem lhe deram, nos EUA, a liberdade de avançar "para o fogo do inferno da batalha, sem uma única arma para o proteger.” Como socorrista, permaneceu no promontório onde os japoneses executavam os americanos moribundos, para salvar os que restaram. A sua arma era a Bíblia e a memória do amor da sua mulher. O que tinha para oferecer eram cuidados básicos e morfina para as dores. Ali, entre a morfina e uma bala a pedido, não havia tempo para debates ou fogo cruzado de palavras. Ficar no promontório significava morrer na certa, descer a falésia era a única possibilidade, se bem que remota, de viver. Que alguém arriscando a própria vida, tivesse escolhido essa possibilidade por mais remota que fosse, foi como re-afirmar o valor real da pessoa. E isso mudou aqueles soldados e muito provavelmente mudou o curso daquela batalha.

A diferença está no olhar
É no final, perdoem-me o spoiler, que as formas distintas de morrer, se tornam claras. Entre os feridos de guerra, a morte chega aos vulneráveis de três maneiras: ou morrem naturalmente, ou são mortos ou se matam. E por isso, na guerra como na vida, ajudar a morrer será sempre um homicídio ou suicídio.

O final do filme que opõe o ritual dos generais japoneses, ao trabalho deste socorrista desarmado é disso um exemplo excepcional. A diferença está no olhar daqueles que têm a morte à sua frente. Por um lado, o olhar de uma fria dignidade, na morte cirúrgica e planeada por seppukuPor outro, o olhar de comoção de se saber assistido por um amigo que nos perdoa e que abre à esperança de que a vida é, afinal, um bem para mim e para ti.  

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