Primavera

JOÃO CÉSAR DAS NEVES |  DN | 2014-02-03

Este ano a Primavera chegou mais cedo a esta nossa pequena floresta junto ao mar. O tempo ainda não aqueceu e as chuvas são frequentes, mas sente-se já um clima diferente do Inverno. O problema, então como agora, vem dos parasitas que, mudando com a estação, são sempre perigosos.
Esta Primavera é especialmente agradável porque se segue ao mais longo e rigoroso Inverno na lembrança dos vivos. Cinco lentos anos de tempo duro e impiedoso que flagelou a pobre floresta. Frio e neve por todo o lado, congelando a actividade, enterrando a comida e matando muitas iniciativas, animais e plantas. Assim a subida de temperatura, mesmo ligeira, é tão gostosa.
Para compreender a dureza deste Inverno é preciso lembrar que ele sucedeu a um longo Outono de mais de dez anos. Foi um período demorado de marasmo e inércia, em que as folhas caíam, a erva não se renovava, as plantas esmoreciam e os ventos eram fortes. Há quase vinte anos que por cá não se sabe o que seja o calor do estio. Pior de tudo, desta vez, durante a longa estação de tempo instável e agreste, os animais da floresta não tomaram as precauções habituais para preparar as tempestades seguintes. Quando começou a nevar, na atitude de muitos, parecia que vinha aí a colheita. Nunca a floresta entrou num Inverno tão mal preparada.
De facto, por razões difíceis de explicar, neste Outono morno os caçadores e parasitas de Verão continuaram em actividade, o que gerou comportamentos estranhos nos habitantes do bosque. Mesmo com temperaturas baixas, os animais comeram à vontade, não armazenaram mantimentos para os tempos magros e nem sequer se deram ao trabalho de reparar ninhos e tocas. Por isso quando caiu a invernia, a fome surgiu, não apenas da escassez natural da quadra, mas também da austeridade imposta pela imprevidência. Foi, sem dúvida um terrível Inverno. Mas passou. Chegou a Primavera.
O Verão não se vê, nem vale a pena falar já disso. Depois de tão longo período de invernia, não está para breve o tempo fácil. O degelo ainda mal começou e ninguém avista flores e campos verdes. Estão para vir chuvas e ventos fortes, e até talvez uma ou outra tempestade. Vai ser difícil sacudir o torpor, restaurar caminhos e arbustos e ainda falta muito para voltarem as árvores frondosas no lugar das que caíram.
Mas já é Primavera. Deixou de nevar e surgem bastantes clareiras no meio do branco. Respira-se claramente um ar diferente, mesmo se os predadores do gelo insistem em negá-lo; aqueles mesmo que agravaram o mal com as suas atitudes. A floresta passou anos suportando as aves de mau agouro, predadores do desânimo e indignação, que desabrocham sempre que há frio. Perante as dificuldades, em vez de se aquecerem, procurar comida, ajudar os outros, preferem atirar culpas e indignações, fazer acusações, bramar queixas. O Inverno ia durar para sempre e destruir a mata. Tudo para aumentar a sua quota dos mantimentos disponíveis. Estiveram sempre contra medidas que podiam aliviar o sofrimento, em nome de sonhos e promessas obsoletas. Garantiam que no Inverno não se reparam tocas, o que sendo verdade, é tolice para quem é obrigado a tapar o covil no meio do gelo.
Ainda se ouvem esses oportunistas, mas o sol pálido da Primavera cala-lhes as banalidades. Agora o problema já é outro. Porque os tempos mornos, apesar de muito menos agrestes, também suscitam os seus males. Sobretudo começam a regressar os mosquitos e carnívoros do calor que, deixando a hibernação em que estiveram nos últimos anos, surgem a rondar os campos. Pequenos parasitas e grandes predadores que dormiram no clima frio, preparam-se para voltar a morder a floresta rejuvenescida. Ressurgem novos perigos que o gelo e o frio mantinham ocultos, e que exigem atenção imediata. São precisamente aqueles que nos meteram neste terrível Inverno.
Estamos no começo da Primavera, o que é sempre bom. Mas temos de saber lidar com ela. Os habitantes da floresta sabem que cada estação tem os seus males, e que o alívio de uns não pode gerar descuido nos outros.

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