Europa: um suplemento de alma

Pe. Alexandre Palma
Voz da Verdade 2011-12-04
Por vezes a procura pela verdade das coisas leva-nos a considerar a sua origem. É como se nesse momento primeiro, cronologicamente passado, já lá estivesse tudo. Por isso buscamos no princípio a luz que nos escasseia no presente e a perspectiva que nos falta sobre o futuro.
Envolvida em grandes e evidentes sombras, carente de luz e perspectiva, está hoje a Europa. O seu presente mostra-nos desorientação, o seu futuro uma incógnita. Mas se olhamos a Europa nas suas várias origens, então na sua actual depressão vemos mais do que a mera espuma dos dias. Vemos aquilo que ela profundamente é: para o melhor e para o pior, um perene desafio.
Para a mitologia, a Europa nasceu bela. Tão bela que por ela se enamorou o deus grego Zeus, ao ponto de a raptar e levar consigo para a ilha de Creta. Parece que na sua singular sabedoria, o mito já anunciava a dúplice condição europeia: entre a tragédia de um rapto e a glória de uma tal beleza que enlouquece até os deuses.
Para a etimologia, a Europa permanece um problema insolúvel. Entre os possíveis significados primeiros do nome, duas hipóteses dão nota do carácter paradoxal da Europa: segundo uma raiz semita, significa «poente», a terra onde o sol se põe; segundo a raiz grega, significa qualquer coisa como «visão larga». Dois sentidos quase opostos.
Para os pais fundadores do que hoje conhecemos como União Europeia – o francês R. Schuman (1886-1963), o alemão K. Adenauer (1876-1967) e o italiano A. De Gasperi (1881-1954) – esta condição dilemática da Europa não era questão de mitos, era experiência vivida e provada na Europa das guerras. Forjados nessa dura vivência, aos três unia-os a percepção de que o presente e o futuro do continente estavam dependentes não somente da paz das armas e do progresso material, mas que estas também dependiam de algo mais. Já com olhar retrospectivo, disse um dia K. Adenauer sobre A. De Gasperi: «Afrontámos os nossos problemas partindo da mesma base espiritual. Ambos iniciámos a nossa carreira política num partido, ao mesmo tempo, democrático e cristão e agimos de um modo tal que isto fosse claro na nossa acção». Uma base espiritual. Esta parecia, a estes homens, ser uma condição de sucesso para qualquer projecto europeu. Talvez quantos hoje ocupam os seus lugares o tenham esquecido. E porventura todos nós também. Como dizia R. Schuman, a Europa não pode apenas ser uma empresa económica e técnica, mas ela precisa de uma alma: il lui faut une âme. Ontem, como hoje.
Na raiz da Europa está mesmo lá tudo. No momento primeiro da União Europeia também: o ocaso de guerras que raptaram este continente a si próprio; mas também, a beleza e a visão larga destes três filhos de Europa. Com eles percebemos a razão do seu princípio, o critério para o seu presente e o horizonte do seu futuro. Ou não será que esta Europa precisa mesmo de um suplemento de alma?

Nota: ao preparar este texto descobri que o termo «europeus» parece ter sido usado, pela primeira vez, numa crónica de 754, escrita por um desconhecido sob o pseudónimo de Isidoro de Beja (cf. P.L. 96, 1251-1280c). Por pouco quase se poderia dizer que os «europeus» nasceram em pleno Baixo Alentejo!

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