Dois Milénios

Público, Segunda-feira, 06 de Outubro de 2003
No próximo dia 16 de Outubro João Paulo II terá estado sentado há um quarto de século na cadeira de Pedro. Os sinais dados pelas suas acções na defesa da paz ou face às outras religiões tornam oportuna a comemoração que a Diocese de Lisboa promove no Estádio Nacional.
A duração do pontificado impressiona; um quartel de século que cavalga dois milénios - no sentido das civilizações e não só do calendário. Poucos Papas governaram tanto tempo. Aliás, poucos Presidentes ou Chefes de Governo exerceram responsabilidades por um período tão longo.
A capacidade de sobrevivência de João Paulo II impressiona também. A edição dá-nos obras serenas sobre João Paulo II como «Porque viajas tanto?», as crónicas de Aura Miguel. A televisão usa o sofrimento do Papa para o silenciar: mostra-lhe o rosto contorcido e obriga-nos a ouvir o voice over e a voz off.
A televisão exibe-nos o sofrimento do Papa e agoira a sua morte. O telejornal fala-nos de um Woytula moribundo e vemos imagens de um homem vigoroso, tendo em conta a idade e as doenças - num vídeo de João Paulo II gravado nesse mesmo dia. O telejornal revela que uma alta figura da Igreja dá o Papa por morto - certamente com o são propósito de nos preparar para esse acontecimento futuro e incerto - , e eis que o Santo Padre quase à mesma hora recebe o arcebispo de Cantuária.
Este tipo de intoxicação, silenciando João Paulo II, deveria impedir-nos de saber que João Paulo II estabeleceu o espírito de Assis, de diálogo entre as religiões; soube opor-se à guerra feita ao Iraque sem fazer política mas apenas em nome da paz; levou ao rubro a religiosidade - no que ela tem de místico - com a preocupação social. É uma originalidade: os crentes místicos esquecem o social e os cristãos sociais arrefecem a mística. Ora o social é parte inevitável de uma Igreja que é «assembleia» e louva a Encarnação de Deus.
Esta intoxicação, porém, falha; em vez de nos perturbar, ilumina-nos. Porquê? O pouco que a televisão mostra do Papa, mostra-o a sofrer pelo bem. É a capacidade de transformar a dor em bem que mais nos impressiona quando vemos João Paulo II. Ora esta transformação é uma figura da Paixão e nada de mais próprio para um Papa do que evocá-la de maneira tão visível.
A grande festa da diocese de Lisboa no Estádio Nacional, de sábado a oito dias, às 18 horas, encerra o ano do Rosário; é uma retribuição do amor do Santo Padre pelos homens, por Lisboa e por Fátima. A festa terminará por uma Eucaristia, presidida pelo Cardeal Patriarca, D. José Policarpo. Será rezado o terço, com o acompanhamento de 2500 homens e mulheres que, no relvado, formarão um terço vivo e em movimento: será a forma actual dos antigos mistérios medievais. E lembra os coros falados da Juventude Operária Católica (JOC) de há uns cinquenta anos. É interessante que a intensidade da fé, em simultâneo com o empenho social dessa mesma JOC, pareçam prefigurar a acção do Papa hoje.

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