Terra dos livres, lar dos bravos

João Carlos Espada
Público, 2001.12.17
EDUARDO Prado Coelho voltou a brindar-me com uma crítica no jornal «Público». Desta vez, EPC critica-me pelo meu elogio a Harry Potter. Mas, o que realmente o indignou foi o facto de eu ter associado talibãs e pós-modernos. Isso não é possível, diz EPC, porque os talibãs têm uma verdade única e os pós-modernos negam os fundamentos de qualquer verdade. Para EPC, talibãs e pós-modernos são pólos opostos e eu, bem lá no fundo, estaria mais perto dos talibãs.
O facto, no entanto, é que os pós-modernos têm uma verdade, a que se apegam com grande entusiasmo: a de que não existe verdade. E mais: a de que essa verdade que a verdade não existe é a única base para a democracia, a liberdade e a tolerância. Devido a estes pressupostos, eles querem «educar-nos». E querem que o Estado adopte uma ideologia educativa oficial: a de que não existe verdade. Esta é a ideologia hoje propagada pelas escolas do Estado, pelas campanhas de «educação sexual» do Estado, na verdade, por todo e qualquer «intelectual» que se pretenda progressista — e queira ir à televisão ou receber um subsídio.
Deixarei de lado a questão filosófica, que abordei noutros lugares. Politicamente, o argumento pós-moderno é simplesmente autoritário. Esquece que a democracia não tem ideologia oficial. Ela assenta no governo representativo, limitado pela lei. A lei protege a liberdade e a segurança dos cidadãos e dos seus modos de vida — contra, designadamente, as tentativas centrais de redesenhar os modos de vida das pessoas de acordo com projectos ideológicos particulares. Uma das prerrogativas dos cidadãos e dos seus modos de vida é a de educarem os filhos em liberdade — bem como o de se autogovernarem como bem entenderem.
Este é o entendimento da democracia que emergiu da Magna Carta de 1215, da Revolução Inglesa de 1688 e da Revolução Americana de 1776. Mas existiu outro entendimento — o jacobino. Embora nunca tenha dado origem a democracias, reclamou-se da «verdadeira democracia». E emergiu da Revolução Francesa de 1789 e da Revolução Soviética de 1917.
Aqui, a democracia tem uma ideologia: a dos chamados «intelectuais avançados» que, em regra, é anti-religiosa, anticapitalista e defensora da igualdade. Se a «populaça» for religiosa, ou pró-capitalista, ou pela meritocracia, a democracia jacobina terá de «libertá-la» desses preconceitos. E lá vem o Estado educador impor aos cidadãos uma «verdade avançada» — que não é a deles. Os pós-modernos são os jacobinos de hoje. A sua «verdade avançada» é que não existe verdade, que a religião é o ópio do povo, o mercado um instrumento de exploração, e que a «populaça» — porque ignora estas verdades — é atrasada e precisa de ser «libertada».
Por isso, o principal inimigo dos pós-modernos (tal como dos talibãs) é a América. Porque a América é a democracia que mais ousa desafiar a ideologia autoritária dos pós-modernos. É a democracia mais religiosa e, simultaneamente, a que lidera a inovação científica e técnica. É a que tem mais orgulho em se fundar no mercado e empresa livre. É a que menos atribui à oligarquia dos «intelectuais avançados» o dinheiro dos nossos impostos para eles ofenderem tudo aquilo em que acreditamos: não há Ministério da Cultura; a lei permite que os filhos sejam educados em casa (há 2,5 milhões de crianças e adolescentes nessa situação, com excelentes resultados nos exames de acesso às universidades); e várias reformas democráticas estão em vias de quebrar o monopólio dos sindicatos sobre o sistema de ensino estatal.
Esta é a América que os pós-modernos e os talibãs odeiam, a América que não vai para onde eles mandam, mas que protege — pela força das armas, quando necessário — os modos de vida livres dos seus cidadãos. Por isso, estes orgulham-se dela como «land of the free, home of the brave».

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