Um Certo Islão e Um Certo Ocidente

ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX*
Público, Domingo, 4 de Novembro de 2001


O que certo Islão fanatizou por excesso, certo Ocidente banalizou por defeito: a religião.

O que certo Islão transformou em imposição e intolerância, certo Ocidente escarneceu com pretensa superioridade: a tradição.

O que certo Islão assassinou na perseguição, certo Ocidente desvalorizou no comportamento: a virtude.

O que certo Islão fingiu combater, certo Ocidente conseguiu trivializar: o vício.

O que certo Islão diabolizou, certo Ocidente relativizou: o bem.

O que certo Islão espalhou, certo Ocidente consentiu: o mal.

O que certo Islão abusou, certo Ocidente corrompeu: o respeito pela Vida.

O que certo Islão anulou, certo Ocidente deixou de consultar: a consciência.

O que certo Islão proibiu, certo Ocidente comercializou: o prazer sem limites.

O que certo Islão desviou para o mal, certo Ocidente idolatrou como fim supremo: o dinheiro.

O que certo Islão fabricou em nome do mal, certo Ocidente destruiu em nome do igualitarismo: líderes.

O que certo Islão perpetuou, certo Ocidente ignorou: a pobreza.

O que certo Islão aproveitou, certo Ocidente semeou: a indiferença.

O que certo Islão quis utilizar demoniacamente, certo Ocidente quis tornar dispensável: Deus.

Não admira, neste contexto, a coligação negativa entre este (in)certo Islão e este (in)certo Ocidente. Os extremos embora não se fundam, tocam-se. De um lado, um errado, obscuro e insuportável moralismo; do outro um neutral, anódino e asséptico amoralismo. O que prova, em ambos os casos, que moralismo e amoralismo podem nada ter a ver com a moral baseada na dignidade inalienável da pessoa humana e na defesa do bem comum.

Neste certo Ocidente está uma Europa, amorfa, lenta, gordurosa de palavras e raquítica de carácter, que, enquanto tal, só existe nos tratados e nos directórios europeus, mas que não existe na sociedade e deixou de fazer história. Fala-se, à saciedade, de taxas, de percentagens, de moeda, de quadros de apoio, de regiões, de geometria variável, de coesão, de programas. Ao mesmo tempo, minguam as referências éticas, valorativas, geracionais, familiares - coisas, por certo, antiquadas para alguns - e definha o caudal que gerava líderes capazes de unir, robustecer, encorajar, orientar as pessoas.

Perante este cenário de fraqueza, uma perigosa nova "bomba atómica" está aí. A pérfida coligação do mal com a inteligência quer arrasar a saudável coligação do bem com a sensibilidade. E há quem nesta nossa periclitante civilização teime em fazer, mesmo que inconscientemente, a sua propaganda mediática.

O mal não pede autorização, nem suporta hediondas e ineficientes teias burocráticas. Ao contrário do bem que, não raro, tem que obter licença e resistir aos entraves de mil e uma coisas.

Enquanto em certo Islão, Bush e Blair são "queimados", em certo Ocidente decadente e totalmente permeável, arriscamo-nos a ver Osama Bin Laden passar de vilão assassino a herói romântico. Uma espécie de Che Guevara do fundamentalismo...

Asfixiadas por um indiferentismo que adormece, anestesia, fere e até deixa matar, as sociedades democráticas, livres e abertas não estão preparadas para combater o mal nas suas formas mais insidiosas, cobardes e paradoxalmente mais artesanais. Como o efeito da pedra lançada à água, o terrorismo aproveita-se também das psicoses que sempre seguem acções criminosas. As pessoas sentem-se ameaçadas por um qualquer pó, por uma qualquer contaminação, por uma qualquer perturbação ou anomalia. As pessoas são, de facto, menos livres.

Será que vamos ser capazes de superar esta batalha que temos de travar dentro das nossas portas, mas que nem sempre enxergamos com clareza, lucidez e frontalidade?

*Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz


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