Ser gratuito é diferente de ser de acesso universal

MIGUEL POIARES MADURO    JN  03.11.2018


Imaginem que gostavam de ter a presença de todos os vossos amigos num jantar especial. Uns são vossos vizinhos e outros vivem noutros países. E se alguns enriqueceram, outros passam por dificuldades. Qual a melhor forma de usar as vossas poupanças para garantir a vinda do maior número?

Oferecer apenas o jantar a todos ou pagar o jantar e viagem daqueles que, de outra forma, não poderiam vir? Um jantar gratuito será acessível a todos os que tiverem meios para se deslocar. Mas não permite aos outros ir ao jantar. É a diferença entre algo ser gratuito ou de acesso universal. É óbvio mas, frequentemente, ignorado. Confunde-se o preço dos bens e serviços com a promoção do acesso universal aos mesmos. Gastamos os recursos públicos limitados que temos para tornar algo gratuito para ricos e pobres, limitando os recursos disponíveis para ajudar os mais pobres a, de facto, aceder a esses bens e serviços. De pouco serve se um bem ou serviço é gratuito se o seu usufruto depende de condições que muitos não têm.
O exemplo mais recente é a redução das propinas universitárias prevista no OE para 2019. Diz o primeiro-ministro: não temos dinheiro para tudo e é necessário fazer escolhas. A escolha do Governo foi reduzir as propinas para ricos e pobres, em vez de prever dinheiro para residências universitárias onde possam viver os estudantes com menos meios. Esta decisão é triplamente regressiva. Primeiro, porque baixa as propinas para os mais ricos em vez de reforçar os apoios que permitam aos mais pobres frequentar a universidade. Segundo, porque são os mais ricos que mais tendem a beneficiar das universidades públicas. São eles que, em proporção, mais posições ocupam nas universidades públicas. Terceiro, porque discrimina contra aqueles que vivem fora das cidades onde se encontram as melhores universidades.
Temos um dos países com menor número de pessoas com formação superior (27º no ranking da OCDE). Isto tem consequências muito negativas para a nossa competitividade e explica, em parte, a nossa fraca mobilidade social. É um problema ainda mais grave no interior. Neste contexto, a prioridade deveria ser alargar a frequência do Ensino Superior e reforçar a sua qualidade. Como? Diversificando esse ensino, reforçando os apoios sociais à sua frequência e à mobilidade dos alunos, e apostando na especialização de excelência nas universidades (em particular no interior). Aparte algumas propostas interessantes num relatório recente do PSD nada disto se discute. O acesso universal ao Ensino Superior volta a ser confundido com a sua gratuitidade para ricos e pobres...
Professor Universitário

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