Para acabar de vez com a União Europeia

ANTÓNIO PINHEIRO TORRES Público 04/07/2016

Será que é desta que aprendemos a lição? Ou isto é mesmo necessário para que a Europa recupere a sua alma?

A receita é infalível. Basta continuar no caminho actual. Em primeiro lugar deve-se continuar sem consultar os povos. Evitar ao máximo que ocorram referendos. E quando estes derem resultados errados é repeti-los até as pessoas acertarem na resposta certa. Sobretudo cada vez que a vontade de um povo for de rejeição do que as elites propõem nunca hesitar em propor mais do mesmo ou até um aprofundamento mais sério e empenhado da política de integração. Por exemplo: os povos não querem mais união política? Que obtusos! Avance-se com mais federalismo!
Em segundo lugar desrespeitar ao máximo o princípio da subsidiariedade. Porquê deixar aos parlamentos nacionais aquilo que se pode fazer no Parlamento Europeu ou decidir na Comissão? Então o mundo não é global? Deus nos livre de cada país ser independente! Sabe-se lá o que esses povos, deixados a si mesmos, podem fazer… única excepção: quando em alguma matéria quase dois milhões de cidadãos europeus (no caso a primeira vez em que o instituto da Iniciativa Europeia de Cidadãos era usado) se dirigirem à Comissão Barroso, pedindo a protecção do embrião humano, chutar para canto, não cumprir a lei europeia e dizer que a matéria deve ser regulada a nível nacional.
Em terceiro lugar há que legislar a torto e a direito, uniformizando sem hesitações. Da curvatura do pepino à acidez das maçãs, das medidas das embalagens ao tamanho dos envelopes, da estrutura dos cursos universitários ao mais simples dos assuntos, temos de ser europeus, ter as mesmas normas, ser tudo igual. Mesmo que isso destrua os campos, conduza ao desperdício, aniquile indústrias ou simplesmente tire graça à vida. Claro que isto exige uma estrutura burocrática e pesada. Ideal para que ninguém consiga opor-se, para ninguém ser questionado ou responsabilizado. Em cada país haverá sempre uns serventuários a explicarem: estamos na Europa, tem de ser assim…quanto mais tropeçarmos no caminho, mais veloz se deve ir em frente.
Em quarto lugar, haja respeitinho. “A França é a França” e a Alemanha é a Alemanha. Regras e sanções são para os pequenos. Somos todos iguais mas há uns que são mais iguais do que outros. Quem paga, manda. E isto que é uma lei da natureza e justa até, não pode nunca ser dito, mas deve ser observado. Importante repetir à exaustão que os países são todos iguais, que todos contam e todos decidem. Se porventura algum país se opuser a isso ou ameaçar sair há que ser implacável: desenhar um cenário catastrófico, dizer que vai ser o fim do mundo, esconder que ninguém vai querer acabar com um mercado comum nem com as vantagens verdadeiras da paz, da livre circulação e da liberdade. Não esquecer de omitir que se pode fazer parte da Europa, sem se fazer parte da União Europeia.
Em quinto lugar, fazer tudo o possível para omitir as raízes cristãs da Europa (foi o cristianismo que deu origem a um continente que não é físico mas cultural) e todas as consequências chatas desse facto: primado da dignidade humana, respeito da lei e da democracia, solidariedade. Neste ponto ter o cuidado de transformar as instâncias europeias no lugar onde se possa ganhar na secretaria o que se perde ou se pode perder no jogo nacional: todas as questões fracturantes, a inteira agenda lgbt, o paganismo animalista, etc. Não esquecer, e a propósito, de diabolizar qualquer país que não alinhe pelo diapasão do politicamente correcto, mesmo e sobretudo, se assim é pela vontade do respectivo povo. Se resistirem, dar-lhes ideologia do género a rodos…
Assim procedendo, se acabará seguramente com a União Europeia. Dando aos populistas uma vitória que nunca alcançariam sem a preciosa ajuda do europeísmo cego e antidemocrático. Uma ditadura do politicamente correcto que esmaga a liberdade dos povos. Até ao dia em que estes dizem basta e de tão fartos catapultam onde nunca chegariam os mais disparatados dos políticos e as mais irrazoáveis das propostas. Será que é desta que aprendemos a lição? Ou isto é mesmo necessário para que a Europa recupere a sua alma?

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