O liberalismo que nos convém

Miguel Angel Belloso
DN 2016.07.29

A revista espanhola Actualidad Económica, da qual sou diretor, dedica a sua última capa à besta negra da esquerda: o liberalismo. Pareceu-nos que depois das eleições, que felizmente detiveram a ameaça do populismo e de uma viragem do país à esquerda - embora ainda vá demorar até que se forme um governo e tudo isto se possa alterar até lá -, era o momento de reivindicar a ideologia mais denegrida mas que mais progresso e bem-estar proporcionou à humanidade. Também porque pensamos que se, apesar das dificuldades parlamentares com que vai tropeçar o eventual governo de Rajoy, o liberalismo for a orientação das novas políticas, Espanha e, sem dúvida, Portugal, continuariam a ter uma oportunidade para crescer e prosperar.
Se o (neo)liberalismo é o ideário que domina as nossas vidas, como salientam os seus detratores, a humanidade só pode estar-lhe agradecida. Não apenas as centenas de milhões de asiáticos, latino-americanos e africanos que saíram da miséria graças ao livre mercado. No Ocidente também não nos correu mal. O PIB per capita não deixou de crescer desde os anos 1980, nem nos Estados Unidos nem na Europa nem em Espanha. Por muito que algum sábio estúpido como Paul Krugman ou algum jovem iracundo como Pablo Iglesias reiterem que o mundo tem piorado durante os últimos anos, e que está um desastre, a realidade objetiva é que nunca esteve melhor.
"Muitos americanos pensam que os seus filhos viverão pior do que eles", explica Warren Buffett na sua última carta aos acionistas da Berkshire Hathaway. E o mesmo poderia dizer-se dos espanhóis e, com certeza, dos portugueses. Mas "é uma opinião totalmente errónea: as crianças que estão a nascer neste momento nos EUA são as mais afortunadas da história", diz Buffett. "Todas as famílias da minha vizinhança de classe média-alta desfrutam de um nível de vida superior ao que tinha John D. Rockefeller quando eu nasci."
Para desmontar os ataques contra a chamada revolução liberal conservadora, que segundo a esquerda assola o mundo, torna-se particularmente ilustrativa a comparação entre o Reino Unido e a França. Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, o PIB per capita dos britânicos era cerca de 12% superior ao francês. As posições inverteram-se depois da política dirigista e nacionalizadora iniciada por Clement Attlee no pós-guerra. Em 1979, quando Thatcher chegou a Downing Street, os gauleses eram perto de 11% mais ricos. A Dama de Ferro começou então a desmantelar a herança trabalhista ao mesmo tempo que o seu vizinho do Eliseu, François Mitterrand, se dedicava a regular e expropriar. Três décadas depois, o rendimento dos ingleses é novamente cerca de 10% maior do que o francês.
Ironicamente, a França quer agora copiar o Reino Unido. E o Reino Unido, sacudido pelo brexit, tem uma nova primeira-ministra conservadora que pretende implantar uma espécie de agenda social, pois ali os resultados do não à União Europeia são interpretados como o movimento de protesto das pessoas apeadas do crescimento ou simplesmente castigadas pela concorrência da imigração e da falta de expectativas. Em França, com muitas dificuldades, aprovou-se uma reforma laboral que é uma cópia quase literal da espanhola, a fim de injetar flexibilidade nas empresas para que se adaptem ao ciclo de fomentar a criação acelerada de emprego. Não sabemos o que irá acontecer no Reino Unido, mas parece que Theresa May está impressionada com a animosidade para com as políticas conservadoras que foi deixada clara pelo brexit, e que quer liderar uma nova época com a ideia de que ninguém fique para trás. É uma ideia louvável, que sempre esteve presente em Margaret Thatcher e nos liberais genuínos: ajudar aqueles que por incapacidade genuína ou infortúnio não conseguem prosperar por si mesmos. Mas só a esses. Se, pelo contrário, se generaliza o Estado assistencial ou o subsídio indiscriminado parece--me que nos encontraremos perante a atual situação, na qual muitas pessoas que poderiam enriquecer pessoalmente satisfazendo a procura da sociedade têm muito mais incentivos para viver como parasitas, à conta do erário público, como acontece em França, em Espanha ou em Portugal.
A crise económica, talvez a mais dura desde a grande recessão de 1929, com o seu rasto de destruição de tecido produtivo e de perda de postos de trabalho, voltou a alimentar os inimigos do capitalismo, que proliferam por toda a parte. Os argumentos têm sido mais ou menos os de sempre: que o sistema é incapaz de prevenir e de evitar as crises cíclicas, e que se transforma num manancial de desigualdades, cada vez mais difícil de tolerar. Mas que a economia é cíclica é algo que já se sabe, porque faz parte da sua essência, do seu ADN. É um aspeto insolúvel. Algo mais discutível é que, vivendo crises de certo em certo tempo, o mundo não tenha vindo sempre a melhorar em termos líquidos, apesar de alguns retrocessos ligeiros e pontuais.
Por exemplo, o incremento da desigualdade registado em Espanha durante os últimos anos é modesto e tem que ver quase exclusivamente com o aumento do desemprego, não com o facto de os ricos se terem saído melhor com a crise. Também não é verdade que se tenha dado um retrocesso colossal na classe média. Não há provas empíricas que o avalizem. O que aconteceu, pelo contrário, foi uma queda dramática das expectativas. Depois da época dourada anterior à crise, as pessoas pensam, com razão, que voltar a recuperar os níveis de vida vai exigir algum tempo e um esforço que se faz com dificuldades. Sobretudo se o caldo de cultura for precisamente o contrário, o de recompor um Estado social que é financeiramente insustentável e culturalmente nocivo.
Espanha criou nos últimos dois anos 60% do emprego de toda a União Europeia. Mas os meus compatriotas, sentimentalmente agitados pela esquerda, não estão contentes. Creem que se trata de um emprego precário, a tempo parcial, com salários baixos. Pois claro que é! Nunca houve nenhum caso no mundo em que uma crise tão dramática se supere recuperando de maneira instantânea os níveis de vida anteriores. O dramático é comprovar como as pessoas no meu país, grande parte das que encontraram um emprego, trabalham realmente mal. Muito mal. Estão mais preocupadas com os dias de férias do que em como melhorar o seu rendimento e a satisfação dos clientes. Deste ponto de vista, o Estado social foi nefasto. Criou uma cultura dos direitos em vez dos deveres a que estamos obrigados, que é nociva. Destruiu a "vontade de conquistar o mundo" - sem que nos importasse os ordenados e os horários - com que as pessoas da minha geração entraram no mundo laboral. Muitos dos nossos jovens são uns parasitas ou umas falsas vítimas e, sem dúvida, maus trabalhadores para quem os conceitos de produtividade e de competitividade são mais uma maldição do capitalismo, de maneira que ter um emprego, mais do que uma oportunidade, uma primeira alavanca para ter êxito na vida, é uma maldição, um trâmite inevitável até que chegue o fim de semana para se dedicarem ao que realmente importa, que é desfrutar.
Eu não serei tão taxativo como os membros da Opus Dei, que têm como uma das suas máximas que o trabalho conduz diretamente à santidade, mas creio indubitavelmente que trabalhar bem é um requisito imprescindível para ganhar em dignidade, em autoestima e em elevação moral. Tudo o contrário do que pensa a esquerda, dedicada de corpo e alma a perverter a opinião pública. Vale a pena apostar no liberalismo. Este está cada vez mais ausente dos programas dos partidos políticos, inclusive dos partidos conservadores. Mas é o único caminho para recuperar o vigor que falta nas nossas sociedades e recuperar a grandeza que qualquer país merece.

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