Causas que se evaporam

Henrique Monteiro
Expresso, 20160710

Tivemos anos com problemas sociais terríveis. Lembro apenas alguns: havia emigrantes a fugir da nossa miséria; havia crianças a chegar à escola em jejum; havia filas de espera para a ‘sopa dos pobres’; havia cada vez mais sem-abrigo; havia desempregados de longa duração que viviam desesperados. 
Curiosamente, esses problemas sociais terríveis evaporaram-se do espaço mediático. Não creio que se tenham evaporado da realidade do país, nem sequer posso exigir a este ou a qualquer outro Governo que em escassos meses extinguisse problemas dessa dimensão. Mas é precisamente este facto que me faz pensar. Se eles continuam, por que motivo não se fala deles hoje em dia? 
Haverá várias justificações, certamente. Mas preocupa-me, em particular, que este tipo de noticiário esteja mais sujeito às agendas de prioridades partidárias do que à iniciativa da própria comunicação social. Dito de modo mais simples: desde que o BE e o PCP passaram a apoiar um Governo deixaram de municiar a comunicação social com os pungentes casos humanos. Ou, então, os jornalistas que acompanham estas questões sociais entendem que, com este Governo, não vale a pena falar de certos assuntos. Seja a resposta qual for, não é muito abonatória para os jornalistas. Porque de duas uma: ou andamos atrás das agendas partidárias e não temos uma agenda própria; ou temos uma agenda própria que está alinhada com determinados partidos. 
Isto é comum em certas escolas de pensamento. Resume-se a amar a humanidade em geral, mas não as pessoas em concreto. No fundo, trata-se de transformar dramas humanos em casos políticos, sem querer saber quais os dramas concretos em causa. 
Mas basta participar em debates (melhor será em ações) com aqueles que visitam os sem-abrigo, os alimentam, os tentam curar ou minimizar as suas dores para entendermos que estas causas não podem estar ao serviço de qualquer estratégia política; nem se resolvem deitando dinheiro para cima dos problemas, com mais Rendimento Social de Inserção ou mais acesso à habitação (o que não nego que seja importante). 
Esta é uma causa que não pode evaporar-se. Se os media abdicam da responsabilidade que têm — e devem ter — no auxílio aos que dedicam a vida aos outros perdem uma boa parte da sua razão de existir.

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