Obrigado, Campeões!
MENDO HENRIQUES · Jornal Tornado · 12 JUL, 2016
O 10 de Julho tornou-se um dia histórico para todos nós, Portugueses. Com um jogo, com um golo, com mil dedicações e esforços a culminar um percurso cheio de contrariedades e sofrimentos...
… a selecção nacional de futebol deu-nos uma lição mais bonita do que qualquer outra organização portuguesa tão depressa conseguirá.

Essa força da selecção, esse querer, essa coesão e alquimia da unidade, essa poção mágica de pensamento positivo de tal modo foi comunicada que todos vieram para a rua saudá-la com cantigas, palavrões, coreografias, cervejas, marchas e buzinadelas numa explosão de alegria de quem mata uma sina triste e cumpre uma promessa feita há muitos anos com cânticos novos.
Foram quase cinquenta anos a esperar por um título global para os seniores. Foi uma promessa que nasceu em Wembley em 1966, quando a TV ainda era a preto e branco e Eusébio despontava para o mundo. O desporto rei iniciava uma caminhada que o tornou na única organização portuguesa com que podemos contar para definir, lutar e alcançar plenamente os seus objectivos. Porque somos negros, brancos, ciganos e migrantes, unidos na nossa diversidade, somos invencíveis, dizia um cartaz na Alameda.

O segredo desta unidade trazida pelo futebol é simples. Pesem embora as distorções do desporto em negócio, o nacional benfiquismo, e a opacidade das transferências milionárias – o futebol nasce do povo. Nasce dos pés mas sobe até ao coração, passando pelos apuros técnico-tácticos, como dizia o Gabriel Alves.
O futebol da lusofonia nasce de quem dá toques na bola – desde o Minho até Paris e Timor, como se viu ontem – ou de quem, como o Éder, partia com boladas os vidros da instituição onde os pais tiveram que o deixar viver dezoito anos, antes de deixar de ser o patinho feio e marcar aquele golo.
Não o marcou sozinho. Marcou-o com os restantes membros da equipa que revelaram uma solidariedade que só é possível a quem está compenetrado de uma missão, recitada em termos quase religiosos. É esse o vocabulário do futebol; de quem tem fé nas forças próprias; de quem tem esperança de vencer; de quem tem amor à camisola. De jogadores que se persignam.
O golo da vitória não foi isolado. A esta hora já tudo foi dito sobre a perícia de Rui Patrício em evitar sucessivos golos feitos; da força de defesas como Pepe e dos médios como Renato Sanches; e dos atacantes com Cristiano Ronaldo à cabeça que após ter chorado aos 18 anos contra a Grécia, acabou com lágrimas de alegria após o pesadelo que o afastou aos 9’ do jogo.
Com a vitória do 10 de Julho, o imaginário português modificou-se. França não será mais e apenas o país da mala de cartão. Doravante é o país donde trouxemos a taça, o “caneco”, carago!. Quanto aos franceses ficaram com um melão do tamanho do mundo, como se lia na expressão do Presidente Hollande junto ao divertido Presidente Marcelo, no Stade de France.
Após o triunfo, o nacional-piadismo não perdeu tempo. “Ronaldo tem dor de joelho, os franceses têm dor de cotovelo”. “A torre Eiffel não se iluminou, mas temos todos os semáforos do mundo com as cores da nação”; “Obélix e Astérix tiveram de fugir do deus Lusitano que lhes caiu em cima da cabeça”; “O Quaresma levou o Payet de cernelha”. E com as piadas, vieram os memes das redes sociais com que nos refastelámos após cinquenta anos de jejum e celebrámos uma nova invasão de França como a que em 1813 levou 25.000 portugueses até Toulouse para vencer o ditador Napoleão.
“O futebol pode ser muito cruel”, afirmou Lloris, o guarda-redes e capitão da França. Pois é. Sobretudo para quem é arrogante. E este campeonato foi uma boa lição para se entender que o orgulho deve caminhar de mãos dadas com a humildade. Senão é arrogância. Desrespeito. Complexo de superioridade. Tudo o que o desporto não deve ser. O treinador Didier Deschamps mostrou ser um senhor ao cumprimentar Portugal. Portugal inteiro sentiu o orgulho de ser quem é e a humildade de procurar ser melhor. Ambos ligados porque escutamos os outros.
E tudo isto nos traz até à liderança de Fernando Santos que trouxe uma unidade a que não estamos habituados no mundo brutalizado do futebol. Soube inspirar porque, como lembrou Carlos Daniel na RTP1, ele aprende, aprende sempre, aprende a escutar os outros, aprende com os seus erros. Hora a hora, Deus melhora, diz o povo.
E fica também para a história que Deus esteve presente, segundo Fernando Santos. De um modo inesperado para alguns, sobretudo para uma comunicação social anestesiada pelos truques jacobinos e maçónicos da anti-religiosidade primária. Para esses, a epifania de Fernando Santos parece deslocada: “Em primeiro lugar e acima de tudo, quero agradecer a Deus Pai por este momento e tudo aquilo da minha vida”.
Que o futebol é religião profana, sabemos. Que Fernando Santos quis dizer que é missão, ficámos a saber pela carta que escreveu em Marcoussis a 18 de Junho, mostrando a fé na vitória. Ficou escrito. Cumpriu-se o que fora prometido há cinquenta anos. Quem quiser que acredite. A selecção acreditou. “O desafio poderia ser um filme de Hollywood “, declarou José Fonte. Com a cara lavada e o dever cumprido. Obrigado, Campeões!
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