A esquerda que sustenta o populismo da direita

Alexandre Homem Cristo
Observador 18/7/2016

Hollande, Tsipras, Iglesias, Corbyn. Viciada em moralismos, a esquerda europeia tornou-se inimiga de si própria. E, pior, deixou um vazio que é responsável pela ascensão da direita populista.
Começou com François Hollande. Em Maio de 2012, o actual presidente francês foi eleito sob a promessa de mudar a esquerda e o rumo das políticas europeias. O entusiasmo palpitava. Várias figuras da esquerda europeia celebraram a aurora de uma alternativa política à austeridade. Mas, à mesma velocidade com que ascendeu aos céus, Hollande tombou aos infernos: falhou a renegociação do Tratado Orçamental, subordinou-se à Alemanha, perdeu apoios no seu partido, adoptou um plano de contenção orçamental e liberalizou o mercado de trabalho. O entusiasmo nos corações socialistas esmoreceu: afinal, a alternativa não estava ali.
Continuou com o Syriza. Em Janeiro de 2015, numa Grécia em chamas, Tsipras e Varoufakis deram rosto aos anseios de mudança dos gregos e de toda uma esquerda europeia. O seu mandato era inequívoco: o Syriza venceu eleições para enfrentar a austeridade e Bruxelas, sustentando o que, à esquerda, foi visto como um “sinal de mudança” que dava força “para seguir a mesma linha”. Mas tudo acabou mal. O Syriza partiu-se, convocou um referendo e novas eleições legislativas, perdeu o braço de ferro com Bruxelas e reforçou as dosagens de austeridade. Hoje, enquanto Varoufakis distribui glamour revolucionário para as elites dos salões universitários, Tsipras trocou os aplausos pelos apupos nas convenções do Bloco de Esquerda. A alternativa não estava ali.
Prosseguiu com o Podemos. Durante meses, nos jornais e nas sondagens, explicava-se que tudo o que importava definir no bloqueio político espanhol era o grau de ascensão política de Pablo Iglesias e do seu Podemos na noite eleitoral de 26 de Junho – com as expectativas de que alcançariam o segundo lugar e condições para chefiar um governo de coligação de esquerda. Só que, contados os votos na hora da verdade, a coligação liderada por Iglesias ficou em terceiro e perdeu 1 milhão de votos face aos resultados eleitorais de há seis meses. Afinal, a alternativa não estava ali.
Culminou agora com o Partido Trabalhista britânico. Quando Corbyn assumiu a liderança do partido, virando-o para a esquerda, vaticinou-se um acontecimento de grande significado, antecipando igual viragem para a esquerda noutros partidos europeus de centro. Só que nada disso aconteceu. Corbyn aproximou-se ao regime de Putin, foi contestado por quase toda a sua bancada parlamentar, eclipsou o Partido Trabalhista da oposição ao governo, e montou um movimento social de agitação que converteu o partido numa entidade extra-parlamentar composta por radicais. Corbyn já bateu o recorde negativo de impopularidade de um líder da oposição. Já poucos acreditam que a alternativa está ali.
Um, dois, três, quatro. O dano já vai grande e talvez tenha chegado o momento de parar com a folia. A Europa, em geral, e a esquerda, em particular, têm de aprender as lições impostas pela sucessão destes fracassos. Primeiro, que a esquerda precisa urgentemente de um projecto político que sustente o seu discurso moralista contra as políticas de austeridade. É que se bastam promessas para ganhar popularidade momentânea (Iglesias, Corbyn) ou até eleições (Hollande, Tsipras), uma maior representação política exige um projecto que torne viável a alternativa que os seus eleitores reclamam. Hoje, esse projecto continua a não existir – o que há é um vazio por preencher.
Segundo, que esse vazio, inflamado pelo moralismo, não ficou parado à espera de ser preenchido pela próxima grande esperança/desilusão da esquerda europeia. Foi ocupado pela direita populista. Que partilha dessa mesma visão moralista – contra os burocratas de Bruxelas, o grande capital, a austeridade, os interesses instalados. Que, ao contrário da esquerda, tem efectivamente um projecto político – de rejeição da UE, de proteccionismo económico, de controlo social e de fronteiras. E que cativou o eleitorado tradicional da esquerda (mais desfavorecido social e economicamente), perante a incapacidade de os partidos de matriz socialista o representarem. Enquanto assim for, a ascensão da direita populista continuará imparável. Ou seja, a existência de uma alternativa à esquerda tornou-se fundamental para a própria saúde do projecto europeu.
Hollande, Tsipras, Iglesias, Corbyn. A crise não lhe ensinou nada e é fácil, no final do dia, apontar o dedo a Bruxelas. Mas, viciada nos seus moralismos inconsequentes e promessas vãs, a esquerda europeia tornou-se inimiga de si própria. E, pior, a principal responsável pela ascensão da direita populista que ameaça a UE.

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