Estamos melhor ou pior do que há um ano?

José António Saraiva
SOL 13 de julho 2016
António Costa faz cada vez mais lembrar José Sócrates.

Nesta história das sanções, há uma questão a esclarecer: elas respeitam apenas ao défice do ano passado ou são também determinadas pelas políticas postas em prática pelo Governo de António Costa?
O PS defende, naturalmente, a primeira hipótese; o PSD e o CDS apontam para a segunda.
Ao PS, interessa sublinhar que a direita não cumpriu as metas do défice a que se comprometeu; ao PSD e ao CDS convém dizer que este Governo desbaratou o capital de confiança que Portugal tinha conquistado em Bruxelas e que isso é determinate.
Quem tem razão neste imbróglio?
Para o percebermos, vejamos o que se tem vindo a dizer lá fora sobre Portugal.
Há três semanas, um responsável do fundo de resgate da Zona Euro, Klaus Redling, afirmava: «A reversão de algumas reformas implementadas durante o programa de ajustamento vai reduzir a competitividade de Portugal».
Na mesma data, Ralph Solveen, responsável económico do Commerzbank, salientava o «fraco desempenho do investimento» português, a não recuperação do emprego e o abrandamento das exportações. «A única coisa que sobra para impulsionar a economia, atualmente, é o consumo privado», acrescentava.
Há duas semanas, a troika duvidava do cumprimento das metas do Orçamento e alertava para a necessidade de medidas adicionais.
Há oito dias, o FMI assinalava o «enfraquecimento das exportações e do investimento», além da quebra da poupança e da confiança, corrigindo o valor do crescimento para 1,2% ou mesmo 1% do PIB, contra os 1,8% inscritos no Orçamento.
E o ministro das Finanças alemão, Schäuble, falava da possível necessidade de um segundo resgate, perante a indignação dos membros da ‘geringonça’.
Mas até Mário Centeno admitia, na mesma altura, a significativa revisão em baixa do crescimento económico. 
O otimismo que António Costa sempre tem revelado funda-se no seguinte: ele está convicto de que Portugal vai cumprir o défice, e acha que isso é o que verdadeiramente interessa às autoridades europeias.
Mas esta posição de Costa é desconcertante pelo seguinte: antes de ser Governo, ele dizia que o défice interessava pouco e que o importante era «pôr a economia a crescer».
Havia mesmo, na área socialista, quem dissesse estar-se «marimbando para o défice».
Agora, Costa agarra-se ao défice para se defender, ignorando o mau desempenho da economia.
Ou seja: diz exatamente o contrário do que dizia antes.
O investimento? Que interessa?
O desemprego? Que interessa?
As exportações? Que interessam? 
O crescimento da economia? Que interessa?
O que interessa é que estamos a cumprir o Orçamento e a respeitar o défice!
Claro que isso é importantíssimo.Mas, depois da saída limpa, também era fundamental pôr a economia a crescer mais.
Recorde-se que no ano passado, ainda no tempo da austeridade, o crescimento foi de 1,5% – pelo que este ano deveria ser bastante superior.
Só que, em vez de andar para a frente, o Governo concentrou-se em andar para trás, como o caranguejo.
Foi uma festa de reversões: reversão das privatizações, dos horários de trabalho da Função Pública, dos feriados, das devoluções de rendimentos, das rescisões no Estado, etc.
E hoje estamos pior do que estávamos há um ano.
O investimento caiu, a confiança caiu, as exportações caíram, a balança comercial piorou. 
Significa isto que, se nos tivéssemos mantido no mesmo rumo, a situação da economia portuguesa seria hoje bem melhor do que é.
E na segunda metade do ano vai piorar ainda mais.
Não é pessimismo afirmar isto: é puro realismo.
Primeiro, não nos esqueçamos que nos primeiros três meses do ano o Estado funcionou com duodécimos, não podendo aumentar a despesa. 
Depois, as 35 horas, que entraram agora em vigor, vão provocar necessariamente o pagamento de horas extraordinárias em vários serviços; a cedência avulsa a pressões laborais verificadas aqui e ali vai inflacionar a despesa; os pagamentos que o Estado tem vindo a protelar vão ter de ser contabilizados; etc..
Mas, pior do que tudo isso, é o ambiente psicológico que o Governo criou ao dizer que ia «virar a página da austeridade». 
Foi como se dissesse às pessoas: «Podem gastar à vontade, pois a crise já passou».
Ora não se pode dizer uma coisa destas.
Todos temos presente que, quando Santana Lopes substituiu Durão Barroso, e Bagão Félix substituiu Manuela Ferreira Leite, a simples expectativa de que o novo Governo iria desapertar um pouco o cinto foi suficiente para estragar por completo as frágeis contas portuguesas.
Ora, com António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa a dizerem que a austeridade acabou, o descalabro tende a ser muito maior.
Veremos no fim do ano.
Penso que até o défice vai descarrilar imenso, ultrapassando os 3%.
Nem isso se salvará.  
António Costa faz cada vez mais lembrar José Sócrates.
As instituições nacionais e internacionais dizem que as coisas estão a correr mal, o próprio ministro das Finanças admite corrigir os números, mas o primeiro-ministro continua a exibir um indestrutível otimismo.
Já conhecemos o filme: todas as campainhas de alarme soavam e Sócrates continuava impávido e sereno a fazer inaugurações.
Mas nas democracias chega sempre o momento em que os números derrotam a propaganda.
P.S. – Felipe González, antigo líder do PSOE, disse que a esquerda não deve inviabilizar um Governo minoritário do PP, partido que venceu as eleições. É uma posição de estadista, que marca a diferença fundamental entre a Espanha e Portugal. 

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