A solução

Público 04/04/2013

A solução aprovada pelo Eurogrupo para o resgate cipriota foi desastrada. Dizem os comentadores que ela demonstra que os ministros das finanças europeus têm falta de sentido de Estado. Que não têm consciência plena da amplitude do projeto europeu. Que carecem de perspetiva histórica.
Mas o que de facto indicia é que eles não conhecem a história de Portugal como deviam. A história de Portugal é, pelo menos desde D. Sancho II, a história de uma crise financeira contínua, que nem a pimenta da Índia, os escravos de Angola ou o ouro do Brasil conseguiram interromper. Mas o que é importante é que, nas nossas crónicas antigas, o Eurogrupo poderia encontrar soluções para todo o tipo de problemas com que atualmente se defronta. Taxar depositantes, pobres e ricos, é crude. Afeta a confiança no sistema financeiro. O depositante empresta dinheiro ao banco apenas porque confia que ele lhe será devolvido integralmente e, possivelmente, com algum juro. Quem suspeitar que o seu capital pode sofrer quebra irá por o seu dinheiro noutro sítio: compra ouro, compra telhados, ou guarda-o debaixo do sobrado.
Também assim era antigamente. Quando não eram obrigados, os portugueses emprestavam à Coroa apenas porque confiavam que seriam pagos quando e do modo prometido. A Coroa aceitava o dinheiro porque tinha sempre mais despesas que receitas - as funções do Estado, desde D. Afonso Henriques, sempre foram mais vastas que os recursos. Entre duas crises o montante da dívida ia subindo, subindo até que um dia se tornava insustentável. Isto repetiu-se regularmente desde o século XIII. Que se fez a 30 de Setembro de 1605? Mandou el-Rei que, se os donos da dívida assim quisessem, "de sua vontade e sem lhes fazer força", poderiam converter os seus títulos por outros novos, de igual valor nominal. No entanto, para isso teriam de pagar à Fazenda Real metade da soma de que eram credores. Dando entrada o dinheiro fresco o cidadão recebia então o título novo pelo antigo, que se anulava. Para fazer a troca dava-se trinta dias aos mercadores e noventa às de mais pessoas. Note-se que neste esquema tudo era voluntário: só pagava quem queria. Quem não quis ficou com os títulos antigos, que nunca mais deram um tostão. Outra vantagem era trazer bom dinheiro vivo aos cofres vazios do erário público em troca da promessa de um pagamento futuro. Consta que, infelizmente, a operação não teve grande adesão. Provavelmente porque o povo sabe que promessas leva-as a vento. Mas tendo sido montada dando a cada um liberdade para escolher como queria ser espoliado não levantou grandes protestos.
Professor de Finanças, AESE

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