Relvas e Sócrates no país dos doutores

Henrique Raposo
Expresso on-line Sexta feira, 5 de abril de 2013
Nunca gozei com a licenciatura domingueira de Sócrates. Havia ali uma fragilidade muito portuguesa que travava o meu cinismo. Conheci muita gente com histórias mais ou menos parecidas. Gente que, apesar de ter mesmo uma licenciatura normalíssima, fez o percurso académico só por fazer, só para dizer que tinha um curso, só para ser doutor, só para receber cartas com o Dr. antes do nome. A utilidade económica (arranjar emprego) e a formação cívica e intelectual (a visão clássica da academia) não eram para ali chamadas. O que importava era o estatuto social do Dr., até porque a família exigia essa promoção social. Sócrates não era diferente destas pessoas. Ele apenas usou o seu estatuto para acelerar o processo. Passados anos, a história repetiu-se com Miguel Relvas. Tal como Sócrates, Relvas não teve coragem para dizer que a sua experiência já não requeria uma licenciatura.
Seja como for, com ou sem piedade por estas histórias a rebentar de portuguesismo, o certo é que os dois episódios deviam ter provocado demissões imediatas. Mas ficámos à espera. Sócrates ficou no mesmo sítio, insultou meio mundo e a universidade em causa acabou fechada. E, agora, tivemos de esperar um ano pela demissão de Relvas. Como dizia há dias, precisamos de uma troika institucional.
Mas - repito - estes casos dizem mais sobre a nossa snobeira do que sobre a nossa incapacidade instituticional. As pessoas que gozam sem parar com Relvas são as mesmas que criticariam Relvas caso este indivíduo tivesse demonstrado a coragem de John Major. Idem para Sócrates. Um John Major português (i.e., um político que assumisse a ausência de licenciatura) seria destruído logo à partida, porque a sociedade portuguesa coloca os títulos à frente do "trabalho vil e mecânico". Os corta-matos académicos de Relvas e Sócrates irritam meio mundo, porque esse meio mundo é parecidíssimo com Relvas e Sócrates. As sub-licenciaturas em questão são um espelho da sociedade. Somos, todos, mais parecidos com eles do que julgamos.

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