O sucesso de Thatcher

Pedro Lomba Público, 09/04/2013

Em 1835 o jovem aristocrata francês Alexis de Tocqueville visitou a América. Dessa viagem nasceu um livro famoso em que Tocqueville, para além de fotografar um novo país, descrevia uma sociedade democrática por oposição a uma sociedade aristocrática. A sociedade democrática era dinâmica, industriosa, livre; a aristocrática não era. A sociedade democrática era comercial, a aristocrática era militar. A sociedade democrática fomentava nos indivíduos o gosto pela melhoria da sua condição, pela criação, pela liberdade; a aristocrática alimentava-se da preservação de estatutos e posições.
Isto no início do século XIX. Mas o jovem Tocqueville tinha excepcionais capacidades de previsão. E sabia que o maior risco sobre as sociedades democráticas seria perderem aquilo que explicava o seu triunfo - a liberdade e ambição individual - e gerarem as suas "aristocracias" e "oligarquias" tão hostis e arregimentadoras como as do passado.
Que oligarquias? Economias estatizadas, empresas rentistas, instituições subordinadas à política, carreiras hiper-reguladas, serviços endogâmicos, tutores públicos, classes fechadas. Todo o tipo de organizações em que os indivíduos fariam o possível para pertencer (à clique certa) em vez de mostrarem aquilo de que são capazes. O acesso dependeria de uma qualquer cooptação superior, a obediência seria premiada, haveria incentivos para os que estivessem por baixo poderem mais tarde repetir os comportamentos dos de cima.
O que me leva à personalidade política de Margaret Thatcher que morreu ontem, com 87 anos. Mais do que outro político do pós-guerra, Thatcher personificou o ideal desta sociedade democrática em colisão com uma sociedade de "aristocracias" e "castas". O preço de viver numa sociedade de guildas estava em que o colectivismo impunha indistintamente, por todo o lado, o seu domínio. Mandavam as classes, mandavam os privilégios, mandavam os sindicatos, mandava o Estado, mandavam as empresas públicas. Um autêntico cenário decadente que paralisava a economia e a sociedade. A Inglaterra vivia como aquelas famílias antigas que, tendo o palácio de família, deixaram de o poder sustentar.
Margaret Thatcher cresceu neste estado de coisas. E, naturalmente, quis acabar com ele. Nos anos 80 esse era um dos motivos para a sua adesão. Não era uma mulher complexada ou diminuída por integrar um partido aristocrático e masculino, numa das sociedades mais hierarquizadas do mundo. Marx e Engels começam o Manifesto do Partido Comunista com a afirmação de que a toda a História é a História da luta de classes. Mas Thatcher rejeitava a política de classes. O que defendia era a antítese desse sistema classista bloqueado. Via nas "classes" um "conceito comunista" que agrupava as pessoas, atirando-as umas contra as outras, sugando o que de mais particular havia em cada uma. Ainda hoje o seu tempo de governo é detestado pelos velhos tories que lamentavam esse "triunfalismo burguês" - uma expressão do Sunday Telegraph - e anticlassista - a destruição da velha Inglaterra.
Certamente que Thatcher cometeu erros, alguns graves, ao longo do seu percurso. Política de convicções e não de consensos, como ela dizia, muitas das principais bandeiras do seu pensamento foram abandonadas (Cameron ganhou eleições a defender que, ao contrário do que dizia Thatcher, "a sociedade existe mesmo; só que não é o Estado"). A crise económica alertou-nos para o efeito subversivo do capitalismo para as próprias virtudes morais que o tornam possível. Apesar disso, esta foi também uma História de expansão da liberdade económica, de oportunidades, democracia e riqueza. Nisso Thatcher nunca se enganou.

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