1700 anos do édito de Milão – Liberdade religiosa, de novo urgente

P. Duarte da Cunha
Voz da Verdade, 2013-04-14
Este ano é marcado por uma série de celebrações que recordam na Igreja momentos decisivos. Não pode, por isso, passar despercebido, numa altura em que a secularização parece impor-se quase como se fosse uma coisa natural, os 1700 anos do édito de Milão que deu liberdade aos cristãos no império romano no ano 313.
Poucos anos depois de perseguições terríveis contra os cristãos que aconteceram com o imperador Diocleciano, em 313 dois augustos, Licínio e Constantino, governavam o império. Constantino com a vitória da ponte Mílvio contra Maxêncio tinha-se imposto como o grande vencedor. Num encontro em Milão propõe a Licínio que se decretasse a liberdade religiosa para os cristãos. Provavelmente ele sentia já, como muitos historiadores defendem, que Jesus Cristo era a verdade, mas politicamente limitou-se, e bem, a conceder liberdade aos cristãos e não quis impor nenhuma religião. Não se deu aos cristãos nenhum privilégio. Mas, com o tempo e com os santos, a liberdade fez ver a verdade do culto cristão e a sua fecundidade.
Com este édito, o Estado como que já se declara laico – diríamos nós hoje em dia. Os imperadores concedem liberdade a todos os cidadãos sem se considerarem responsáveis por dizer o que é a verdade. A missão do Estado, como defende a Igreja, é a de gerir as coisas públicas para garantir a paz e a justiça e promover, diremos nós hoje em dia, graças à doutrina social da Igreja, a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a solidariedade e a subsidiariedade. Como, porém, ao contrário do que se possa hoje pensar, a dimensão religiosa não é algo que se possa considerar apetrecho da vida, já que é essencial à pessoa e à sociedade em geral, a liberdade religiosa que o Estado laico deve garantir a todos os seus cidadãos, não deve ser, como um certo laicismo radical pretende, a imposição da neutralidade religiosa ou a redução da dimensão religiosa à esfera do privado, é também missão de quem governa recordar as obrigações religiosas. Como recordará o Concílio Vaticano II no decreto sobre a liberdade religiosa, nenhum homem pode descurar o dever moral ligado à religião. "Todos os homens, que são pessoas dotadas de razão e de vontade livre e por isso mesmo com responsabilidade pessoal, são levados pela própria natureza e também moralmente a procurar a verdade, antes de mais a que diz respeito à religião" (Vaticano II, DH 2).
Ora esta liberdade precisa de novo de ser recordada. Não apenas nos países onde os cristãos são perseguidos - e são tantos - mas mesmo naqueles onde apenas são descriminados ou impedidos de defender e de anunciar a sua fé. A religião do Estado que se impõe já não é a adoração de um imperador como no tempo de Diocleciano, mas é a secularização. Hoje quem acredita em Jesus Cristo e sabe que tudo Lhe pertence e sente a necessidade de testemunhar a sua fé em público, de defender a moral cristã, de promover a cultura inspirada na fé e que arrisca criticar outras expressões culturais na lógica do diálogo, é acusado de intolerante e muitas vezes impedido de falar ou ridicularizado.
Vale a pena, neste contexto reler o texto do ano 313. Quem sabe se não acabaremos por perceber melhor a importância da liberdade religiosa que, como João Paulo II um dia afirmou, é o primeiro direito humano porque é aquele que é garante a possibilidade de cumprir o primeiro mandamento, ou seja, o de amar a Deus sobre todas as coisas. Proponho a parte inicial:
"Desde há tempo, fortes na convicção de que a liberdade religiosa não pode ser negada, mas que ao intelecto e à vontade de cada um deve ser dada a faculdade de interessar-se pelas coisas divinas segundo a própria livre escolha, tínhamos ordenado que também os cristãos observassem a fé do seu grupo e do seu culto. Mas, porque parece que a essa ordem, na qual essa faculdade lhes fora concedida, foram acrescentadas muitas condições, pode ser que alguns tenham sido impedidos de observar o seu culto. Quando nós, Constantino Augusto e Licínio Augusto, chegámos sob feliz auspício a Milão e tratámos do que fosse útil e vantajoso para as pessoas, estabelecemos, entre outras coisas que nos pareciam ser de vantagem para todos, antes de mais nada e especialmente emanar éditos, com o qual fosse assegurado o respeito e a veneração da divindade; ou seja, de dar aos cristãos e a todos a livre faculdade de seguir o culto que quisessem, de modo que cada poder divino e celeste, fosse ele qual fosse, pudesse ser-nos benevolente a nós e a todos os que vivem sob a nossa autoridade. A nenhum é negada a faculdade de seguir e de escolher a observação e o culto dos cristãos; e a cada um é dada a faculdade de aplicar-se nesse culto, que ele retém como adequado a si mesmo, de modo que a Divindade possa conceder em tudo a sua consueta solicitude e a sua benevolência."  

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