Ajustamento “temporário”?
Pedro Braz Teixeira, i-online 10 Abr 2013
Todos os Orçamentos das próximas décadas se podem dividir em duas categorias: os quase impossíveis e os dificílimos
Os tribunais comuns e mesmo os especializados precisam de assessoria sobre matérias não jurídicas mas, infelizmente, é raro recorrerem a elas. O Tribunal Constitucional (TC), perante a avaliação do Orçamento de 2013, também deveria ter pedido auxílio sobre economia e contas públicas, para decidir melhor.
O TC pareceu estar alheado do enquadramento económico e financeiro em que o país está, mas teve o cuidado de anunciar a sua decisão, na sexta-feira ao final da tarde, depois de os mercados financeiros terem fechado. Esta escolha revelou-se duplamente sensata. Por um lado, salvou o tribunal de ser o responsável por uma subida imediata das taxas de juro, o que tornaria evidente para todos as consequências das suas decisões. Por outro, deu tempo ao governo para reagir, que este aproveitou.
Ou seja, a reacção de segunda-feira nos mercados já foi um misto da novidade do acórdão do TC com a resposta do governo de encontrar alternativas sem recorrer à subida de impostos. Atendendo à subida moderada das taxas de juro da dívida portuguesa, pode-se dizer que, para já, o governo mantém a confiança dos mercados, aguardando-se que medidas concretas irá propor e como estas serão avaliadas pela troika.
Deve dizer-se que o TC parece não se dar bem com cortes dos salários nominais. Mas cortes de salários reais muitíssimo maiores foram perfeitamente constitucionais em 1978 e 1983, quando Portugal teve de recorrer ao FMI. Portanto parece que a nossa Constituição só se dá bem em períodos com a inflação elevada. Parece que não podemos corrigir as nossas contas públicas sem inflação e dentro do euro. As medidas que foram constitucionais em 1978 e 1983 agora não o são. Só serão constitucionais se Portugal sair do euro? Portanto, em certo sentido, o risco é o de que se não conseguirmos reduzir as contas públicas e cumprir o Memorando vamos entrar em bancarrota e ser forçados a sair do euro, o que seria perfeitamente conforme a Constituição.
Uma das ideias do TC que mais chocam é a ideia, repetida, de que os cortes podem ser temporários, devendo o executivo procurar alternativas entretanto. Mas que alternativas? Despedimentos em massa na função pública?
Em relação a esta fantasia de que estamos perante um problema temporário, é preciso salientar, em primeiro lugar, que ainda faltam muitos anos até conseguirmos baixar o défice para níveis claramente inferiores a 3% do PIB. A experiência recente, de sucessivos adiamentos desta meta, sugere que ainda haverá novos adiamentos, não só devido à conjuntura portuguesa, mas também devido às dificuldades da economia europeia, destino destacado das nossas exportações.
Em segundo lugar, o nível elevadíssimo de dívida pública que acumulámos até aqui (mais de 120% do PIB) vai colocar uma pressão brutal sobre as contas públicas durante as próximas décadas, em que qualquer desvio, infelizmente demasiado provável, corre o risco de a tornar insustentável.
Em terceiro lugar, os compromissos com as PPP constituem uma dívida pública "sombra", a somar à dívida directa, agravando os riscos já referidos.
Em quarto lugar, Portugal está a sofrer um dos mais rápidos processos de envelhecimento da população, fenómeno que não tem fim à vista. Este envelhecimento coloca uma pressão esmagadora sobre as contas públicas por duas vias: pelos encargos com a saúde, agravados pelos progressos tecnológicos; e pelos encargos com as pensões, que terão de sofrer reformas profundas e drásticas.
Assim, todos os Orçamentos das próximas décadas se podem dividir em duas categorias: os quase impossíveis e os dificílimos. É favor acabar com a fantasia de que estamos a passar por uma dificuldade temporária.
Director-executivo do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics
Todos os Orçamentos das próximas décadas se podem dividir em duas categorias: os quase impossíveis e os dificílimos
Os tribunais comuns e mesmo os especializados precisam de assessoria sobre matérias não jurídicas mas, infelizmente, é raro recorrerem a elas. O Tribunal Constitucional (TC), perante a avaliação do Orçamento de 2013, também deveria ter pedido auxílio sobre economia e contas públicas, para decidir melhor.
O TC pareceu estar alheado do enquadramento económico e financeiro em que o país está, mas teve o cuidado de anunciar a sua decisão, na sexta-feira ao final da tarde, depois de os mercados financeiros terem fechado. Esta escolha revelou-se duplamente sensata. Por um lado, salvou o tribunal de ser o responsável por uma subida imediata das taxas de juro, o que tornaria evidente para todos as consequências das suas decisões. Por outro, deu tempo ao governo para reagir, que este aproveitou.
Ou seja, a reacção de segunda-feira nos mercados já foi um misto da novidade do acórdão do TC com a resposta do governo de encontrar alternativas sem recorrer à subida de impostos. Atendendo à subida moderada das taxas de juro da dívida portuguesa, pode-se dizer que, para já, o governo mantém a confiança dos mercados, aguardando-se que medidas concretas irá propor e como estas serão avaliadas pela troika.
Deve dizer-se que o TC parece não se dar bem com cortes dos salários nominais. Mas cortes de salários reais muitíssimo maiores foram perfeitamente constitucionais em 1978 e 1983, quando Portugal teve de recorrer ao FMI. Portanto parece que a nossa Constituição só se dá bem em períodos com a inflação elevada. Parece que não podemos corrigir as nossas contas públicas sem inflação e dentro do euro. As medidas que foram constitucionais em 1978 e 1983 agora não o são. Só serão constitucionais se Portugal sair do euro? Portanto, em certo sentido, o risco é o de que se não conseguirmos reduzir as contas públicas e cumprir o Memorando vamos entrar em bancarrota e ser forçados a sair do euro, o que seria perfeitamente conforme a Constituição.
Uma das ideias do TC que mais chocam é a ideia, repetida, de que os cortes podem ser temporários, devendo o executivo procurar alternativas entretanto. Mas que alternativas? Despedimentos em massa na função pública?
Em relação a esta fantasia de que estamos perante um problema temporário, é preciso salientar, em primeiro lugar, que ainda faltam muitos anos até conseguirmos baixar o défice para níveis claramente inferiores a 3% do PIB. A experiência recente, de sucessivos adiamentos desta meta, sugere que ainda haverá novos adiamentos, não só devido à conjuntura portuguesa, mas também devido às dificuldades da economia europeia, destino destacado das nossas exportações.
Em segundo lugar, o nível elevadíssimo de dívida pública que acumulámos até aqui (mais de 120% do PIB) vai colocar uma pressão brutal sobre as contas públicas durante as próximas décadas, em que qualquer desvio, infelizmente demasiado provável, corre o risco de a tornar insustentável.
Em terceiro lugar, os compromissos com as PPP constituem uma dívida pública "sombra", a somar à dívida directa, agravando os riscos já referidos.
Em quarto lugar, Portugal está a sofrer um dos mais rápidos processos de envelhecimento da população, fenómeno que não tem fim à vista. Este envelhecimento coloca uma pressão esmagadora sobre as contas públicas por duas vias: pelos encargos com a saúde, agravados pelos progressos tecnológicos; e pelos encargos com as pensões, que terão de sofrer reformas profundas e drásticas.
Assim, todos os Orçamentos das próximas décadas se podem dividir em duas categorias: os quase impossíveis e os dificílimos. É favor acabar com a fantasia de que estamos a passar por uma dificuldade temporária.
Director-executivo do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics
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