No escuro

Vasco Pulido Valente Público, 07/04/2013

Só um louco furioso pode pretender legislar a igualdade. Infelizmente, os deputados de 1975 eram um bando de loucos furiosos, que não hesitaram em fazer isso mesmo; e, como se vê, ainda hoje há passagens na Constituição que permitem argumentar e decidir em nome da igualdade. Nenhum dos senhores juízes do TC sabe com certeza uma palavra de filosofia ou de história, caso contrário teriam recusado aplicar um princípio que em dezenas de ocasiões (nomeadamente na revolução francesa e na revolução russa) produziu matanças sem conta e uma crueldade sem justificação e sem desculpa. Mas não recusaram: o problema que afligiu quase todo o pensamento político do século XVIII pareceu a esse nobre colégio que nos tutela da mais meridiana simplicidade e em três meses dividiram o bolo pelos pobres, na maior tranquilidade de espírito.
O pior ainda é que nós não os conhecemos. Esta semana, num programa qualquer de televisão, o jornalista da casa perguntou ao grupo de comentadores (quatro ou cinco) se por acaso conhecia o sr. dr. Joaquim Sousa Ribeiro. Com um ar de perplexidade, o grupo confessou que nunca ouvira falar de semelhante pessoa. O sr. Joaquim Sousa Ribeiro, como o país foi anteontem informado, preside ao Tribunal Constitucional. A penumbra em que o tribunal vive abrange os seus treze membros, escolhidos pela Assembleia da República por indicação do PS ou do PSD ou pura e simplesmente por cooptação. Podem ser incomparáveis juristas, mediocridades sem remédio ou caciques políticos. O que não impede que o Estado e através dele o país se entreguem sem uma pergunta aos seus cuidados.
De resto, a culpa não é deles. A maneira normal de escolher treze pessoas com tanto poder deveria assentar na análise das sentenças que elas já tivessem dado (se é que deram algumas), para medir o equilíbrio e o rigor com que habitualmente agiam. E, depois desta prova, fazer com que respondessem em público a uma delegação da Assembleia, para se averiguar o que pensavam da Constituição e o exacto modo como a interpretavam. Se existisse uma discussão contínua entre os professores de direito, principalmente como é óbvio entre os que se proclamam peritos no assunto, sobre a natureza e qualidade da chamada "lei fundamental", o exame dos putativos juízes do TC ficaria facilitado. Mas, como de costume, não existe ou está escondida em revistas da especialidade. Por isso é que Portugal acabou sujeito às trevas do Palácio Ratton e aos raios com que, de quando em quando, nos resolve fulminar.

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