Cristãos e leões: perseguição a cristãos causa 100 mil mortes por ano
Fernando Haro fala dos três níveis de perseguição na sociedade atual
Aleteia 10 Abr 2013
Alvaro Real
© Mohammed ABED / AFP
"Cristãos e leões", recente livro da editora Planeta dedicado à perseguição dos cristãos no mundo inteiro, saiu à venda esta semana na Europa. A obra trata do relato comovente e apaixonante da perseguição que causa 100 mil mortos por ano.
Seu autor, Fernando de Haro, explica à Aleteia o porquê desta perseguição e analisa a situação dos cristãos no Oriente Médio, África, China, Índia e Coreia do Norte, onde, neste momento, há 40 mil cristãos presos em campos de concentração ("kwanlisos").
Cem mil cristãos morrem anualmente. Por quê?
As causas desta grande perseguição são muito diferentes. E é difícil precisar uma só. É necessário observar a complexidade do momento que o mundo vive para poder responder. No Iraque, por exemplo, a minoria cristã vivia tranquila, mas agora o êxodo está sendo massivo e a presença cristã nessas terras pode desaparecer. Os cristãos são perseguidos porque são incômodos, tanto para os xiitas como para os sunitas, que lutam por implantar um projeto hegemônico.
Se pensarmos na Índia, país neste momento decisivo para o futuro do mundo, é preciso lembrar do nacionalismo hinduísta e sua luta com o islã. Ao falar da China, a grande potência asiática que disputa a liderança com os Estados Unidos, é preciso examinar o capitalismo do Estado do regime comunista, que não consegue tolerar certas liberdades.
Os fenômenos variam muito. Mas há duas características em comum. A perseguição costuma se dar onde há um processo de mudança importante: onde há choque de poderes ou onde um poder pretende impor seu projeto. E, nesta situação, os cristãos costumam ser incômodos, como foram no século I. Porque eles não seguem a lógica de quem quer impor o poder.
O surpreendente – e isso é o que eu quis mostrar no livro – é que, nestas circunstâncias tão difíceis, aparece o testemunho de vidas belíssimas, que não querem renunciar à alegria de ser cristãs. Desejo que estas histórias cativem o leitor, como me cativaram.
No Ocidente, há a impressão de que a mídia não se interessa pela perseguição dos cristãos. Fala-se de falta de liberdades, mas não da liberdade religiosa. Existe liberdade religiosa no mundo?
É difícil responder a esta pergunta, porque as situações são muito diferentes. A negação da liberdade religiosa se tornou uma norma no sul da Ásia, no Oriente Médio e na África do Norte. A China lidera o ranking dos países com menos liberdade religiosa.
Existem 3 níveis de perseguição. O primeiro é o nível dos que arriscam a vida, daqueles que têm de escolher entre ser fiéis ao Batismo ou ver-se privados de direitos civis fundamentais, inclusive da vida. Nestas circunstâncias se encontram importantes regiões do mundo: é o caso da China, da Coreia do Norte, de algumas partes da Península Árabe, de certas regiões da África (Sahel, Níger etc.) e de alguns países do Oriente Médio.
No segundo nível de restrição da liberdade da Igreja está a compreensão da liberdade como um direito privado ou íntimo. Não são protegidas as dimensões social e pública da vida cristã. Isso acontece em muitos países de maioria islâmica, em regimes comunistas que ainda existem e em certas regiões da América Latina.
O terceiro nível é uma restrição cultural. É o poder do qual falava Pasolini: um poder sobre a consciência, que pretende reduzir o cristianismo a um conjunto de valores, à ética. É o que impera no Ocidente. O Ocidente não se ocupa na perseguição dos cristãos porque a questão não cabe nos esquemas ideológicos habituais; não é tema de direita ou de esquerda, não dá votos, não dá dinheiro; não tem a ver com a mudança climática nem com a questão de gênero, mas tampouco é classificável como um produto do "choque de civilizações", que tanto agrada os intelectuais.
Na América Latina, existem as seitas, as gangues, a guerrilha, os traficantes. Por que um cristão incomoda tanto?
A América Latina é filha do catolicismo e de outras tradições, como a tradição liberal. Mas isso não impede que o catolicismo, vigoroso como em poucos lugares do planeta, não seja ameaçado. Ele sofre a ameaça de um laicismo próprio do século XIX, que ainda continua muito vivo, e ao qual seria preciso somar os novos populismos.
As seitas são outro problema. Elas apresentam um desafio interessante ao catolicismo. O cristianismo, para ser autêntico, tem de ser colocado à prova, tem de demonstrar que serve para viver o presente. Se as pessoas não veem utilidade existencial no catolicismo, elas o abandonarão. É lógico. Não precisamos ter medo da liberdade.
Agora a Coreia do Norte está na moda, infelizmente. Há cristãos lá? Como eles vivem?
A Coreia do Norte é um dos países em que a perseguição é mais sangrenta. A informação é confusa, mas estima-se que há 40 mil cristãos presos nos kwanlisos, os campos de concentração nos quais 1 de cada 4 internos morre. Doenças como pneumonia e tuberculose estão muito estendidas, mas não há tratamento médico para os prisioneiros. Eles são obrigados a trabalhar doentes e, se não forem capazes de trabalhar, são enviados aos sanatórios, para esperar a morte. Também são frequentes as torturas, estupros e execuções extrajudiciais.
Os cristãos do país, para poder celebrar a Missa, têm de esconder-se em "igrejas domésticas". A Coreia do Norte não é uma brincadeira: é uma terra de terror, onde foram detectados muitos casos de canibalismo inclusive – como a Ucrânia, na época de Stalin.
Uma última pergunta: você será perseguido por escrever este livro?
Acho que não. Precisamos tratar com muita seriedade a palavra "perseguição". Às vezes, ela é utilizada de maneira frívola, para dissimular a dificuldade que certo cristianismo tem de estar ao ar livre, em uma sociedade pluralista, expressando de forma compreensível e amigável a experiência da qual nasce.
Tendemos a usar este termo de maneira superficial, para não admitir que não fomos capazes de desafiar a liberdade dos outros, para não aceitar que o que dizemos é incompreensível para quem não sabe nada sobre a fé. Ou, o que é pior, porque no fundo sonhamos com um cristianismo hegemônico e vemos frustradas as nossas utopias. Temos muito a aprender dos que realmente são perseguidos.
Seu autor, Fernando de Haro, explica à Aleteia o porquê desta perseguição e analisa a situação dos cristãos no Oriente Médio, África, China, Índia e Coreia do Norte, onde, neste momento, há 40 mil cristãos presos em campos de concentração ("kwanlisos").
Cem mil cristãos morrem anualmente. Por quê?
As causas desta grande perseguição são muito diferentes. E é difícil precisar uma só. É necessário observar a complexidade do momento que o mundo vive para poder responder. No Iraque, por exemplo, a minoria cristã vivia tranquila, mas agora o êxodo está sendo massivo e a presença cristã nessas terras pode desaparecer. Os cristãos são perseguidos porque são incômodos, tanto para os xiitas como para os sunitas, que lutam por implantar um projeto hegemônico.
Se pensarmos na Índia, país neste momento decisivo para o futuro do mundo, é preciso lembrar do nacionalismo hinduísta e sua luta com o islã. Ao falar da China, a grande potência asiática que disputa a liderança com os Estados Unidos, é preciso examinar o capitalismo do Estado do regime comunista, que não consegue tolerar certas liberdades.
Os fenômenos variam muito. Mas há duas características em comum. A perseguição costuma se dar onde há um processo de mudança importante: onde há choque de poderes ou onde um poder pretende impor seu projeto. E, nesta situação, os cristãos costumam ser incômodos, como foram no século I. Porque eles não seguem a lógica de quem quer impor o poder.
O surpreendente – e isso é o que eu quis mostrar no livro – é que, nestas circunstâncias tão difíceis, aparece o testemunho de vidas belíssimas, que não querem renunciar à alegria de ser cristãs. Desejo que estas histórias cativem o leitor, como me cativaram.
No Ocidente, há a impressão de que a mídia não se interessa pela perseguição dos cristãos. Fala-se de falta de liberdades, mas não da liberdade religiosa. Existe liberdade religiosa no mundo?
É difícil responder a esta pergunta, porque as situações são muito diferentes. A negação da liberdade religiosa se tornou uma norma no sul da Ásia, no Oriente Médio e na África do Norte. A China lidera o ranking dos países com menos liberdade religiosa.
Existem 3 níveis de perseguição. O primeiro é o nível dos que arriscam a vida, daqueles que têm de escolher entre ser fiéis ao Batismo ou ver-se privados de direitos civis fundamentais, inclusive da vida. Nestas circunstâncias se encontram importantes regiões do mundo: é o caso da China, da Coreia do Norte, de algumas partes da Península Árabe, de certas regiões da África (Sahel, Níger etc.) e de alguns países do Oriente Médio.
No segundo nível de restrição da liberdade da Igreja está a compreensão da liberdade como um direito privado ou íntimo. Não são protegidas as dimensões social e pública da vida cristã. Isso acontece em muitos países de maioria islâmica, em regimes comunistas que ainda existem e em certas regiões da América Latina.
O terceiro nível é uma restrição cultural. É o poder do qual falava Pasolini: um poder sobre a consciência, que pretende reduzir o cristianismo a um conjunto de valores, à ética. É o que impera no Ocidente. O Ocidente não se ocupa na perseguição dos cristãos porque a questão não cabe nos esquemas ideológicos habituais; não é tema de direita ou de esquerda, não dá votos, não dá dinheiro; não tem a ver com a mudança climática nem com a questão de gênero, mas tampouco é classificável como um produto do "choque de civilizações", que tanto agrada os intelectuais.
Na América Latina, existem as seitas, as gangues, a guerrilha, os traficantes. Por que um cristão incomoda tanto?
A América Latina é filha do catolicismo e de outras tradições, como a tradição liberal. Mas isso não impede que o catolicismo, vigoroso como em poucos lugares do planeta, não seja ameaçado. Ele sofre a ameaça de um laicismo próprio do século XIX, que ainda continua muito vivo, e ao qual seria preciso somar os novos populismos.
As seitas são outro problema. Elas apresentam um desafio interessante ao catolicismo. O cristianismo, para ser autêntico, tem de ser colocado à prova, tem de demonstrar que serve para viver o presente. Se as pessoas não veem utilidade existencial no catolicismo, elas o abandonarão. É lógico. Não precisamos ter medo da liberdade.
Agora a Coreia do Norte está na moda, infelizmente. Há cristãos lá? Como eles vivem?
A Coreia do Norte é um dos países em que a perseguição é mais sangrenta. A informação é confusa, mas estima-se que há 40 mil cristãos presos nos kwanlisos, os campos de concentração nos quais 1 de cada 4 internos morre. Doenças como pneumonia e tuberculose estão muito estendidas, mas não há tratamento médico para os prisioneiros. Eles são obrigados a trabalhar doentes e, se não forem capazes de trabalhar, são enviados aos sanatórios, para esperar a morte. Também são frequentes as torturas, estupros e execuções extrajudiciais.
Os cristãos do país, para poder celebrar a Missa, têm de esconder-se em "igrejas domésticas". A Coreia do Norte não é uma brincadeira: é uma terra de terror, onde foram detectados muitos casos de canibalismo inclusive – como a Ucrânia, na época de Stalin.
Uma última pergunta: você será perseguido por escrever este livro?
Acho que não. Precisamos tratar com muita seriedade a palavra "perseguição". Às vezes, ela é utilizada de maneira frívola, para dissimular a dificuldade que certo cristianismo tem de estar ao ar livre, em uma sociedade pluralista, expressando de forma compreensível e amigável a experiência da qual nasce.
Tendemos a usar este termo de maneira superficial, para não admitir que não fomos capazes de desafiar a liberdade dos outros, para não aceitar que o que dizemos é incompreensível para quem não sabe nada sobre a fé. Ou, o que é pior, porque no fundo sonhamos com um cristianismo hegemônico e vemos frustradas as nossas utopias. Temos muito a aprender dos que realmente são perseguidos.
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