Depois vais ter pena
Inês Teotónio Pereira , ionline 27 Abr 2013
É uma questão de tempo até que fiquemos sozinhos no castelo a falar com as paredes e a chatear os visitantes com as glórias do passado
Quando temos os nossos filhos ainda pequenos não são poucas as pessoas, principalmente mães mais velhas, que nos alertam com uma certa nostalgia: "Aproveita enquanto eles são pequenos… Depois vais ter pena." É uma frase recorrente que é dita sem grandes desenvolvimentos mas sempre me pareceu assim uma coisa siciliana.
A advertência sempre me assustou um pouco. Sempre me fez lembrar uma espécie de anúncio de uma catástrofe que se advinha: "Ui, nem sabes o que aí vem… Depois não digas que eu não avisei." Como se tivéssemos de encher a dispensa de enlatados e preparar-nos para o pior.
Por outro lado, raramente alguém nomeia a desgraça, ninguém nos adianta pormenores sobre esse futuro ameaçador, como uma cigana que nos lê a mão mas não quer entrar em pormenores em relação ao número de desgraças que nos vão acontecer num futuro próximo, assim como ao nosso neto mais velho daqui a 40 anos. São desgraças e pronto, já chega.
Mas aproveitar o quê? A muda de cada fralda, cada birra, o ranho na camisola? É que tudo o resto nós aproveitamos. Aproveitamos as gracinhas, ficamos felizes quando eles aprendem a falar, a andar, a ler, etc. Aliás, nem temos alternativa ou endoidecíamos.
Nunca percebi o que motiva estas pessoas que nos aconselham a "aproveitar", que feridas de guerra transportam: se têm apenas saudades dos tempos em que os seus filhos eram pequenos e se arrependem de não ter aproveitado mais esses tempos ou se além dessas saudades também têm pena que eles tenham crescido. Como se agora, que cresceram, tivessem perdido toda a graça e encanto.
As crianças têm duas particularidades que maravilham os pais: a dependência e a vulnerabilidade. Os nossos filhos quando são pequenos são absolutamente dependentes de nós para tudo e têm-nos como fonte exclusiva de segurança, de motivação e de confiança. Para os nossos filhos pequenos somos mais importantes que os quatro elementos da natureza e não há fogo que nos consiga chamuscar.
Existirem pessoas no mundo que tenham esta ideia divinal de nós é simpático e muito agradável. Apesar de os nossos fãs não serem pessoas minimamente razoáveis, a sensação é muito boa.
Ora tudo isto se perde com idade. Com a idade deles. Conforme crescem os nossos meninos deixam de ser dependentes e vulneráveis. E o princípio do fim é quando eles começam a saber prender o cinto do carro e misturar o chocolate no leite. Acabou, a dissolução do nosso reinado começa aí. Depois é uma questão de tempo até que fiquemos sozinhos no castelo a falar com as paredes e a chatear os visitantes com as glórias do passado. A verdade é que conforme eles crescem a nossa importância vai decrescendo, numa relação inversa tipo défice e crescimento económico. E é nesta fase que aparece a frase: "Aproveita enquanto eles são pequenos… Depois vais ter pena…"
É este o dramático fado da nossa vida de pais: passamos a infância deles a queixar-nos das fraldas, das noites mal dormidas, das doenças, dos gritos, da falta de liberdade e a suspirar pelo dia em que eles nos largam. Quando esse dia chega, temos pena. Como se glória da nossa vida estivesse toda embrulhada em fraldas fedorentas.
Não faz sentido nenhum. Não sei se vou ou não vou ter pena quando os meus filhos já não precisarem de mim para nada, mas tenho a certeza que nesse dia vou suspirar de alívio: quer dizer que estamos todos a envelhecer e bem. Entretanto, sim, é de aproveitar.
É uma questão de tempo até que fiquemos sozinhos no castelo a falar com as paredes e a chatear os visitantes com as glórias do passado
Quando temos os nossos filhos ainda pequenos não são poucas as pessoas, principalmente mães mais velhas, que nos alertam com uma certa nostalgia: "Aproveita enquanto eles são pequenos… Depois vais ter pena." É uma frase recorrente que é dita sem grandes desenvolvimentos mas sempre me pareceu assim uma coisa siciliana.
A advertência sempre me assustou um pouco. Sempre me fez lembrar uma espécie de anúncio de uma catástrofe que se advinha: "Ui, nem sabes o que aí vem… Depois não digas que eu não avisei." Como se tivéssemos de encher a dispensa de enlatados e preparar-nos para o pior.
Por outro lado, raramente alguém nomeia a desgraça, ninguém nos adianta pormenores sobre esse futuro ameaçador, como uma cigana que nos lê a mão mas não quer entrar em pormenores em relação ao número de desgraças que nos vão acontecer num futuro próximo, assim como ao nosso neto mais velho daqui a 40 anos. São desgraças e pronto, já chega.
Mas aproveitar o quê? A muda de cada fralda, cada birra, o ranho na camisola? É que tudo o resto nós aproveitamos. Aproveitamos as gracinhas, ficamos felizes quando eles aprendem a falar, a andar, a ler, etc. Aliás, nem temos alternativa ou endoidecíamos.
Nunca percebi o que motiva estas pessoas que nos aconselham a "aproveitar", que feridas de guerra transportam: se têm apenas saudades dos tempos em que os seus filhos eram pequenos e se arrependem de não ter aproveitado mais esses tempos ou se além dessas saudades também têm pena que eles tenham crescido. Como se agora, que cresceram, tivessem perdido toda a graça e encanto.
As crianças têm duas particularidades que maravilham os pais: a dependência e a vulnerabilidade. Os nossos filhos quando são pequenos são absolutamente dependentes de nós para tudo e têm-nos como fonte exclusiva de segurança, de motivação e de confiança. Para os nossos filhos pequenos somos mais importantes que os quatro elementos da natureza e não há fogo que nos consiga chamuscar.
Existirem pessoas no mundo que tenham esta ideia divinal de nós é simpático e muito agradável. Apesar de os nossos fãs não serem pessoas minimamente razoáveis, a sensação é muito boa.
Ora tudo isto se perde com idade. Com a idade deles. Conforme crescem os nossos meninos deixam de ser dependentes e vulneráveis. E o princípio do fim é quando eles começam a saber prender o cinto do carro e misturar o chocolate no leite. Acabou, a dissolução do nosso reinado começa aí. Depois é uma questão de tempo até que fiquemos sozinhos no castelo a falar com as paredes e a chatear os visitantes com as glórias do passado. A verdade é que conforme eles crescem a nossa importância vai decrescendo, numa relação inversa tipo défice e crescimento económico. E é nesta fase que aparece a frase: "Aproveita enquanto eles são pequenos… Depois vais ter pena…"
É este o dramático fado da nossa vida de pais: passamos a infância deles a queixar-nos das fraldas, das noites mal dormidas, das doenças, dos gritos, da falta de liberdade e a suspirar pelo dia em que eles nos largam. Quando esse dia chega, temos pena. Como se glória da nossa vida estivesse toda embrulhada em fraldas fedorentas.
Não faz sentido nenhum. Não sei se vou ou não vou ter pena quando os meus filhos já não precisarem de mim para nada, mas tenho a certeza que nesse dia vou suspirar de alívio: quer dizer que estamos todos a envelhecer e bem. Entretanto, sim, é de aproveitar.
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