As pensões de reforma não são propriedade privada

Henrique Raposo
Expresso, Quarta, 10 de Abril de 2013

O grande erro intelectual do acórdão do TC não está na famosa falácia sobre a "falta de equidade" entre função pública e resto do mundo. A maior fragilidade do documento está, isso sim, na reflexão sobre os reformados: os juízes tratam a pensão de reforma como algo equivalente à propriedade privada; recusam os cortes nas pensões, porque os ditos cortes põem em causa a "garantia de direitos patrimoniais associados à propriedade privada". Para mal dos nossos pecados, os juízes do TC não sabem ou não querem saber como funciona o sistema de segurança social.

Tal como existe em Portugal, a segurança social é um sistema estatal e colectivo para onde todos os cidadãos são obrigados a descontar. Somos obrigados a descontar para uma conta colectiva. Os descontos do cidadão "João" não ficam anexados a uma conta pessoal. Era bom que assim fosse, mas não é assim que este sistema funciona . Os descontos do "João" são atirados para o saco comum que alimenta quem já está reformado. Quando chegar à idade da reforma, o "João" dependerá dos descontos do "José", do "Nuno", do "Joaquim", do "Tozé" e do "Chico". Por ódio ideológico anti-privado ou por simples ingenuidade em relação à instabilidade demográfica , o nosso sistema de pensões não foi concebido para criar PPR privados, isto é, propriedades privadas com um nome lá gravado.

Portanto, considerar que a reforma é propriedade privada é um tremendo erro intelectual. Um erro desculpável no cidadão comum, mas indesculpável no TC. As reformas deste sistema estatal de segurança social não são PPRs, não são contas bancárias individuais, não são carros ou casas, não são bens. Não são comparáveis à propriedade privada, porque o próprio sistema foi criado para anular a noção de conta pessoal e privada. Não são propriedade privada do reformado, porque dependem da propriedade privada de quem ainda está a descontar. Ou seja, o dinheiro de quem está a trabalhar é que alimenta as reformas de quem está reformado. Sem a compreensão deste facto básico, é impossível desenvolvermos uma conversa séria sobre a segurança social e sobre a necessidade de renegociarmos o contrato entre gerações. Sim, uma renegociação que implica cortes permanentes nas pensões acima de x, porque a reforma do "João" já só é alimentada pelo "José" e por meio "Nuno"; o "Joaquim", o "Tozé" e o "Chico" e a outra metade do "Nuno" desapareceram do mapa . É triste ver o TC a navegar nos tabus que evitam o confronto com esta realidade.

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