Os escurinhos e os riquinhos

Público, 24/04/2013

No PÚBLICO de 15 de Abril é de novo referido o caso de uma pobre mãe, Liliana Melo, a quem a Segurança Social, de uma assentada, retirou sete dos seus dez filhos. Pobre e escurinha, como agora se diz. Outro galo cantaria se não fosse pobre, nem escurinha.
Há que admitir que o Estado, em casos extremos, tenha que suprir a ausência ou a ineficiência da família. Se os progenitores não prestam à prole a assistência que lhe é devida, é necessário que alguém o faça, porque o bem dos filhos tem prioridade sobre as expectativas dos pais. Se estes não existem, ou não cumprem minimamente com as suas obrigações parentais, de que são os primeiros e principais titulares, outros terão que assumir essa responsabilidade.
Mas a solução a aplicar, em primeiro lugar, não pode ser a destruição da família natural, por mais disfuncional que seja, porque nenhuma instituição a pode suprir com vantagem. Por isso, urge ajudar os agregados familiares em dificuldades, para que superem as suas limitações. O que Liliana Melo precisava era de alguém que a ajudasse a governar a casa e a educar esses seus sete filhos e não quem lhos tirasse. O que aquelas crianças queriam era alguém que suprisse as carências da sua mãe, que os amava e queria com verdadeiro amor, e não quem, separando-os dela e entre si, destruísse, talvez para sempre, a sua família.
Se Liliana Melo não fosse natural de um PALOP, mas da Lapa ou da Foz, não vivesse num bairro social, mas num condomínio de luxo, é certo e sabido que não haveria Segurança Social que se atrevesse a tirar-lhe os sete filhos. Pelos vistos, a disfuncionalidade familiar é um privilégio dos pobres.
Mas não há famílias de elevados rendimentos económicos igualmente desestruturadas?! Não há meninos ricos órfãos de pais vivos?! Alguns desses "filhos de algo", obrigados à transumância - ora na casa materna, ora na do pai - não carecerão também de apoio social?! Não poderão ser também vítimas inocentes de situações familiares que prejudicam o seu são desenvolvimento?! Por que razão então a Segurança Social, quando são famílias pobrezinhas e escurinhas, usa e abusa do seu imenso poder mas, quando são famílias riquinhas e branquinhas, abstém-se de agir?!
A questão não é nova. Já G. K. Chesterton denunciara algo semelhante, na Grã-Bretanha de princípios do século passado: "Certos doutores e outras pessoas a quem a lei moderna autoriza a ditar leis aos seus concidadãos mais miseráveis, impuseram o cabelo curto a todas as rapariguinhas. A todas as rapariguinhas pobres, quero eu dizer. Muitos hábitos pouco saudáveis são vulgares nas meninas ricas, mas não será tão cedo que os doutores procurarão eliminá-los pela força". E acrescentava, com ousada veemência: "Quando uma crapulosa tirania espezinha homens na lama, [...] o procedimento científico é evidente. Seria demorado e trabalhoso cortar a cabeça aos tiranos, é mais fácil cortar o cabelo aos escravos".
Não duvido das boas intenções - de que, por sinal, está o inferno cheio - da Segurança Social, mas questiono as suas práticas, que parecem ser profundamente injustas para com os mais carenciados, os mais necessitados do seu apoio e também os menos capazes de fazer frente ao seu por vezes despótico poder.
Chesterton ameaçava: "Com a ruiva cabeleira de uma garota da rua, lançarei fogo a toda a civilização moderna". Pelo amor de uma mãe pelos seus filhos e destes pela sua mãe, pela unidade de uma família, qualquer que seja a sua cor, credo ou condição económica, eu também.

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