O profeta e a desgraça

Alberto Gonçalves
Visão, Setembro 13, 2016

Diz o Público que "ao líder do PSD, nem o sol de Setembro trouxe um sorriso e prefere continuar a ser o profeta da desgraça deste governo". A sentença não integra um artigo de opinião ou o palpite de um funcionário do PS: está no início de uma reportagem "neutra" sobre a Universidade de Verão da JSD e, afinal, esforça-se por não destoar do tom vigente. Nos últimos dias aumentaram notavelmente os ataques a Pedro Passos Coelho. 
Da extrema-esquerda a gente conotada com o PSD, passando por gente que se julga conotada com o PSD, pelos senhores governantes, por serviçais assumidos ou dissimulados dos senhores governantes e por analistas que gostariam de ser sérios, meio mundo dá-se a trabalhos para tentar diminuir Pedro Passos Coelho. O tipo é um "catastrofista" que não aceita o caminho de felicidade que o País trilha. O tipo é um vendido que não acata os apelos à "coesão" de que o País necessita. O tipo é um ressabiado que não abraça o patriotismo que o País exige. A bem do País, o tipo devia calar-se. A bem do PSD, o tipo devia sair do PSD. A bem de Massamá, o tipo devia emigrar conforme forçou inúmeros desvalidos na Era das Trevas (2011-2015). O tipo é um demónio. O tipo é um estorvo. O tipo está a mais.
De facto, no clima em que vivemos há meses, uma coisa entre o cabaré grotesco e o crime organizado, talvez Pedro Passos Coelho esteja a mais. Desde logo, é dos raríssimos espécimes que insiste em notar evidências desagradáveis: as seitas que se apoderaram disto vão levar-nos à ruína; a ruína será imensamente pior do que os arremedos anteriores; as consequências da ruína serão pagas durante demasiado tempo e com demasiados custos. Qualquer pessoa sabe que tais trivialidades não andam nada, nada, nada longe da verdade. O problema é que a verdade não convém nada, nada, nada aos arranjinhos em curso.
Sobretudo Pedro Passos Coelho é condenado por existir. Discreta que seja – e calada que fosse –, a sua presença na chamada esfera pública é suficiente para evocar a artimanha que torceu os resultados eleitorais em prol de um oportunista e duas agremiações comunistas. E a sua coerência é um obstáculo a que a "direita" participe no festim que antecede o desastre. E a sua sensatez contrasta com as figuras de um Presidente que, se calhar com razão, confunde Portugal com as tardes de domingo na TVI. Não admira o ódio que todos lhe dedicam.
Claro que o ódio é proporcional à relevância. Aqui, confesso uma surpresa. Critiquei quase sempre Pedro Passos Coelho enquanto líder da oposição a Sócrates (e à dona Manuela, que hoje passeia rancor). Critiquei-o muitas vezes enquanto primeiro-ministro de um governo que, por receio e tradição, evitou reformas vitais. Agora descubro-lhe uma decência imprevisível em quem foi tutelado por Ângelo Correia. Sozinho, como um homem, Pedro Passos Coelho permanece, até ver, imune à fraude em que caímos. Não basta para nos salvar, que dos políticos apenas se pode esperar males menores ou maiores. Mas ajuda-nos a perceber a diferença. E a olharmos o futuro sem um sorriso tonto. Nem é difícil: quando a desgraça é certa, a profecia é mera formalidade. 

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