Momentos ‘ministro da Defesa do Iraque’

Henrique Monteiro
Expresso, 20160912

O nosso primeiro-ministro tem tido momentos que faz lembrar o ministro da Propaganda do Iraque do tempo de Saddam. Aquele que clamava vitória quando os tanques americanos já estavam praticamente em cima dele. É um momento parecido o cavaleiro negro dos Monthy Python, que já sem braços nem pernas, depois de uma leal luta à espada, continua a insultar e a chamar cobarde ao cavaleiro que o derrotou. 
Depois de no fim de semana passado ter afirmado que tínhamos um primeiro semestre excelente (que nem a UTAO, a unidade técnica do Parlamento, nem as agências de rating nem ninguém deu por isso), veio agora dizer que o facto de entrarem mais alunos para a faculdade é um ponto de viragem, um corte com a política de direita e mais uma série de coisas. Ele lá saberá… mas este é o terceiro ano consecutivo em que entram mais alunos para o Ensino Superior. Foi uma viragem, portanto, que manteve exatamente o mesmo sentido, algo que se pode considerar uma viragem estática. Além de que, se houve um corte com a política de direita, ele foi, nesse caso, feito pelo Governo anterior… enfim… 
O mesmo se passa na Economia. O PS e o seu líder prometeu-nos uma viragem da página da austeridade. Se formos às contas vemos que a única coisa que corre menos mal é o emprego (há explicações para o facto que não são gloriosas) e a única que pode correr mesmo bem é o défice. Mas à custa de quê? Da diminuição dos gastos do Estado – coisa que o Governo de Passos não conseguiu? Não! Foi à custa do aumento da carga fiscal! Aquela coisa que o Governo anterior já fazia. Outra viragem radicalmente estática. O Estado gasta mais dinheiro, nós pagamos mais impostos. Como o acréscimo dos impostos é superior ao acréscimo dos gastos do Estado, este fica um bocado mais gordo e nós continuamos mais magros. 
Claro que estou ciente que esta visão, apesar de baseada em factos, é considerada por muitos como uma visão reacionária. Há dias penso que o jornal satírico ‘Inimigo Público’ referindo-se aos 30 mil professores que continuam no desemprego, escrevia que eles preferiam estar no desemprego com Costa do que com Passos. O tom era, obviamente, de gozo, pois para quem está desempregado as palavras contam muito menos do que as ações; mas há aqueles para quem as palavras e o estilo bastam. E esses recusam ver a realidade. De certo modo, são os mais perigosos, no sentido em que – como diz o ditado – “o pior cego é o que não quer ver”. 
A prova da excecional viragem de página é o facto de o ministro Mário Centeno, com a sua habitual bonomia, ter de explicar à cadeia norte-americana CNBC que Portugal não necessita de qualquer novo resgate e que vai tudo bem (a ver se a agência DBRS, que nos tem salvo, acredita). Ao mesmo tempo, a nossa dívida pública é a que pior comportamento tem na Europa do Euro (e talvez em toda a Europa); a única que não rende para quem a compra. Esta manhã os seus juros atingiram o ponto mais alto desde do Brexit, enquanto David Schnautz analista do Commerzbank, diz que o atual governo "não tem sido amigo do mercado obrigacionista e os investidores temem que o programa de compra de ativos do BCE chegue ao fim". Como se sabe, o BCE pode ser obrigado a não nos financiar, caso a citada DBRS mude o nosso rating. 
Claro que é necessário escolher um campo: ser amigo dos investidores, ou dos sindicalistas; ou da esquerda, ou da direita ou qualquer outra tendência económica ou política. O que não é possível é manter um sorriso e fazer o contrário do que o mercado quer e, ao mesmo tempo, fazer juras de amor eterno ao mercado. Como não é possível, com o mesmo sorriso, fazer o contrário do que o Bloco e o PCP querem e, ao mesmo tempo, considerá-los parceiros estratégicos. 
Como disse Abraham Lincoln, “pode-se enganar todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo, mas não se pode enganar a todos todo o tempo”. E a verdade é que já passou algum tempo…

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