A guerra das escolas em África
José Maria C.S. André
Correio dos Açores, Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese Canadian Newspaper, Spe Deus, Clarim 11-IX-2016
Como
as antigas colónias inglesas de África não seguem o calendário escolar da
Europa, pude aproveitar o mês de Agosto para visitar várias escolas em
funcionamento. Ao entrar numa escola do Uganda, a primeira impressão é ter
chegado ao império britânico. Cada estabelecimento de ensino tem uma farda
própria, que geralmente inclui saia para as raparigas e gravata para os
rapazes. Crianças ou «teenagers», ninguém escapa. O espaço abunda e, no Uganda,
a mais de mil metros de altura, os relvados são verdejantes: de repente, a
pessoa imagina-se em Inglaterra. Em contraste, os edifícios são muitas vezes rudimentares,
as paredes têm um acabamento mínimo, o chão é térreo ou com uma camada singela
de cimento.
Melhor que visitar escolas,
foi falar com o Prof. Charles Sotz. Tive a sorte de o apanhar de férias no
Uganda e aproveitei a oportunidade para me informar sobre o sistema educativo
das antigas colónias inglesas de África. Sotz é um queniano com raízes
argentinas e checas, apaixonado pelo ensino e pelo desenvolvimento social, é dos
que mais sabe de educação nestes países. Foi ele quem me apresentou as escolas
privadas para pobres, sobretudo no ensino básico.
O fenómeno tem raízes
antigas, mas acelerou na última década. Por exemplo, em 2005, havia quase uma
centena de escolas estatais na província de Mombasa e um número equivalente de
escolas não estatais. Em 10 anos, a procura das escolas estatais manteve-se e a
das outras escolas triplicou. Na província de Nairobi, a proporção actual já é
de 4 escolas privadas por cada escola estatal. No «ranking» dos exames
nacionais de 2005, a melhor escola estatal da província de Mombasa estava em
23º lugar, actualmente, a melhor escola estatal está em 94º lugar.
As comparações económicas
são difíceis de estabelecer, porque o custo de vida é muito diferente do da
Europa, mas podemos confrontar as escolas entre si. As propinas de algumas
escolas privadas custam 14 euros por mês, mas na maioria a propina é de 7 euros
por mês, durante 10 meses. Ao lado, o Estado gasta mensalmente cerca de 35
euros por aluno nas escolas estatais.
José Maria André
Esta disparidade de custo e
sobretudo de eficácia tem muitas explicações. A mais óbvia é que as instalações
das escolas não estatais são realmente muito deficientes, os salários são muito
inferiores aos dos funcionários públicos e geralmente os professores das
escolas não estatais têm piores qualificações formais. Isto explica a diferença
entre o que os pais pagam nas escolas privadas e o que o Estado gasta por aluno
nas escolas estatais.
A parte interessante, e que
mais ocupou as minhas conversas com Sotz, foi a razão de as escolas privadas
serem tão assinaladamente melhores.
Em primeiro lugar, Sotz
verificou uma diferença abissal entre a motivação dos professores, pais e
alunos. No Estado, os pais não conseguem contactar com os professores e os
professores não estão dispostos a sacrificar-se pelos alunos. No ensino
privado, os alunos são mais responsáveis, trabalham mais e sabem o que estão a
fazer na escola.
Outra observação estatística
que me deixou a pensar é que não há correlação entre a qualidade dos edifícios
e o nível de aprendizagem dos alunos. Se a escola não tem instalações
desportivas, os alunos jogam ao ar livre; se as salas são velhas e
desconfortáveis, isso não afecta o rendimento escolar. As qualificações formais
dos professores também não têm relação estatística com os resultados dos
alunos: um professor trabalhador e exigente é muito melhor que um diplomado em
pedagogia, com uma atitude pouco generosa.
Os sindicatos dos
professores das escolas estatais opõem-se ferozmente à existência de escolas
livres e têm forçado o Governo a tomar medidas restritivas, tais como exigir
melhores equipamentos e professores mais qualificados. Os pais reagem, porque
essas medidas aumentam os custos e, se a propina aumentar acima de 7 euros por
mês, as famílias mais pobres têm de colocar os filhos nas escolas do Estado. Criando
mais exigências, o Governo já conseguiu fechar várias escolas privadas. (Onde é
que eu já vi isto?). O surpreendente, explicou-me Sotz, é que essas escolas continuam
a funcionar. Como?!
– Os pais têm lá os filhos
durante todo o ano lectivo e, no final, inscrevem-nos numa escola do Estado,
para eles fazerem os exames nacionais.
– E as escolas estatais
aceitam esses paraquedistas?!...
– Sim, porque esses alunos
têm melhor preparação que os das escolas do Estado e fazem-nas subir no
«ranking».
O mundo é tão diferente, de
país para país! E tão igual, nalgumas coisas! Os sindicatos dos professores de
África insistem em que os «rankings» dão cabo da qualidade das escolas.
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