O homem que domestica mercados

henrique pereira dos santos, em 05.09.16


Este é o mesmo ministro que tutela o sector florestal e, por essa via, tem uma vaga relação com o problema dos incêndios.
Os incêndios, tal como os conhecemos, resultam de uma falha de mercado: não existem, ou existem de forma insuficiente, actividades económicas sustentáveis que garantam a gestão de combustíveis necessária para termos 20 a 30% do território com baixa propensão para o fogo, Ou seja, ou os matos são removidos, ou conseguimos atingir povoamentos de folhosas suficientemente maduros para os controlar através do ensombramento.
O problema central para se chegar a um território resiliente ao fogo, e que conviva saudavelmente com o fogo de forma socialmente óptima, prende-se com a falência do modelo económico de subsistência que prevaleceu no nosso mundo rural até à emigração dos anos sessenta (no resto da Europa o mesmo processo teve diferentes desenvolvimentos temporais mas no essencial é igual).
Nesse modelo os matos eram matéria-prima para a agricultura (a fertilidade dos campos não dispensava as estrumações, como acontece hoje) e a pastorícia.
Gerir a transição entre a paisagem produzida pelo modelo anterior e a paisagem de que precisamos agora implica uma de duas coisas (provavelmente as duas): 1) aceitar um regime de fogos crescentemente socialmente sub-óptimo como fogos severos, extensos e incontroláveis; 2) uma quantidade de recursos apreciável para ir gerindo essa transição através da gestão de combustíveis com fogo, pastorícia e actividades económicas que controlem os matos.
Resumindo, o resultado dessa falência, se tem muitos aspectos positivos – provavelmente voltaremos a ter ursos em Portugal nos próximos anos – implica o pagamento de um imposto em fogos que se alimentam da acumulação de combustíveis que o abandono proporciona.
Um ministro mais preocupado com a realidade que com a domesticação de mercados procuraria, neste contexto, dirigir os recursos que a política agrícola comum lhe proporciona para atenuar os défices de competitividade das fileiras produtivas que possam gerir o problema de forma mais sustentável, por exemplo, para não falar da pastorícia, avaliando em que medida o serviço de gestão de combustíveis proporcionados pela produção de resina poderia ser pago pelos contribuintes a troco da diminuição das perdas provocadas pelo risco de incêndio e do aumento da competitividade do sector, retribuída em riqueza e criação de emprego no mundo rural.
Infelizmente, apesar da produção intensiva de animais ser um dos sectores produtivos com maiores externalidades negativas (em consumo de água, de energia, de solo e na rejeição de efluentes e produção de gases com efeito de estufa) com menores efeitos sociais positivos (o excesso de consumo de produtos animais é um problema de saúde pública sério), o Senhor Ministro entende que não basta o mercado remunerar o consumo de produtos pelo preço que entender, é preciso o contribuinte ainda apoiar estes produtores, limitando a entrada de outros produtores mais eficientes, quiçá de países mais pobres.
Por razões de interesse público relevantes? O Senhor Ministro, discretamente, guarda as suas opiniões sobre isso porque o que está em causa é que um socialista domestica mercados, não deixa os mercados matarem os produtores ineficientes, mesmo quando são, como são, responsáveis por fortes externalidades negativas.
Já pagar os serviços de ecossistema aos poucos que os produzem para benefícios de todos, sem que o mercado os remunere – muitas vezes são bens difusos ou imateriais – como aconteceria no sector da resina, isso já não interessa nada: são tão poucos, tão pouco organizados, tão fracos que não compensam em votos o esforço que seria preciso fazer.
E para a história é muito menos interessante ficar como um sensato e eficaz governante que ficar como o epítome dos domesticadores de mercados.
Domesticar mercados: isso sim, é de valor.

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