Morte Assistida: Ainda à Espera de Resposta.

José Maria Duque
Nós os poucos 20160930

1. Foi com tristeza e comoção que li o artigo da Laura Ferreira dos Santos (LFS) publicado no Público de dia 7 deste mês, onde narrava a história de dois idosos, um deles afectado por um AVC, que vivem abandonados pela família e pela sociedade. A história, embora se passe no estrangeiro, podia perfeitamente ser a de milhares de idosos que em Portugal vivem nessa situação ou em situações ainda piores.
Confesso contudo que o artigo em questão me parece ter acrescentado nada ao debate sobre legalização do homicídio a pedido da vítima. Eu percebo que um idosos doente, que vive sozinho, sem apoio da família e da sociedade deseje a morte. Não consigo compreender uma sociedade que diante destes factos pondere a morte deste idoso em vez de procurar soluções para o problema.
Relembro aliás, que um dos pedidos da petição Toda a Vida Tem Dignidade é precisamente que se "Promova uma política mais eficaz de combate à exclusão de idosos e incapacitados, nomeadamente através de apoios concretos às Famílias."
Legalizar o homicídio a pedido da vítima para dar resposta ao abandono dos nossos mais velhos e mais frágeis é simplesmente admitir o fracasso da nossa sociedade. É promover uma cultura individualista, de desresponsabilização pelos que mais precisam. É um acto de profundo egoísmo disfarçado de falso altruísmo: preocupo-me tanto com o teu sofrimento que estou disposto a deixar-te morrer, até a permitir que sejas morto de maneira higiénica e indolor, para acabar com ele (mas não estou disposto é a fazer sacrifícios para acabar com as causas do teu sofrimento!).

2. Para além da tristeza e comoção houve outro sentimento que me assaltou quando li o artigo em questão: a perplexidade. Isto porque no dia 31 de Agosto publiquei um artigo neste jornal onde respondia a LFS e lhe colocava duas simples questões:
"a) O Estado pode decidir (dentro dos parâmetros acima descritos) que vidas têm ou não dignidade?
b) O Estado deve promover a morte dos cidadãos que queiram por termo à sua vida?"
Não posso por isso esconder o meu espanto pela total ausência de resposta a estas perguntas. Não sei se LFS considera que estas questões não são pertinentes, se não tem resposta a dar-lhes, ou se prefere simplesmente não dizer publicamente a sua opinião.
Qualquer que seja a razão, tenho pena de não receber resposta. Isto porque me parece essencial perceber que aquilo que estamos a debater é permitir ao Estado que termine a vida de uma pessoa a pedido desta.
Repito aquilo que já anteriormente afirmei: eu percebo que seja mais eficaz, para os fins políticos de LFS e daqueles que a acompanham, centrar-se em sentimentalismos sobre a autonomia pessoal. Contudo, os portugueses merecem um debate sério e não apenas mais uma campanha publicitária. Continuarei por isso à espera de uma resposta.
P.S.: Tive conhecimento da morte de João Ribeiro Santos, com quem também travei este debate. Embora em lados opostos da barricada, não posso deixar de me curvar, perante a sua morte, ao homem que, num país onde o activismo cívico é tantas vezes menorizado ou ignorado pela "política oficial", esteve disposto a dar cara e a trabalhar por aquilo em que acreditava.
José Maria Seabra Duque
Jurista
Subscritor da Petição Toda a Vida Tem Dignidade

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