Trapalhadas a toque de Caixa
Dinis de Abreu
Sol, 2016.09.07
Foi em janeiro de 2008 que saiu uma ‘força expedicionária’ da Caixa para tomar conta do BCP, a mando do poder socialista à época, que tratou zelosamente de controlar o banco fundado por Jardim Gonçalves, contando com alguns ‘peões’ (financiados pela mesma CGD) para atuarem como ‘cavalos de Tróia’. Esse e outros desmandos estão hoje contabilizados entre as imparidades do banco público.

Agora, com outro Governo socialista, a ‘força expedicionária’ é em sentido inverso: saída de um banco privado, o BPI, com o desiderato ‘missionário’ de salvar o banco público, no meio de um folhetim rocambolesco. Até Fernando Ulrich se curvou, com desapego, diante da ‘peregrinação’. Lá saberá porquê.
Dizia-se, então, com Sócrates, que o ‘sacrifício’ da Caixa ao prescindir de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara era para restabelecer a paz no BCP, dilacerado por conflitos internos, espontâneos e induzidos. Luís Filipe Menezes, à época líder do PSD, chamar-lhe-ia uma «OPA informal do PS». Viu-se o resultado.
Diz-se agora, com António Costa, que a migração em curso para a CGD visa estabilizar o primeiro banco nacional. Mas há quem comente em surdina, com ironia, que se está perante uma «OPA informal do BPI».
À distância de quase uma década, entre a ambição à solta e a inépcia política, venha o diabo e escolha, parafraseando Pedro Passos Coelho, para quem o Governo se comporta com «sentido de impunidade».
A lista de trapalhadas (e de atropelos à legislação bancária, que os técnicos do BCE dominam melhor do que o Governo) deveria fazer corar de vergonha muita gente. Mas não. Houve, ainda, nas Finanças, quem defendesse mudar a lei para ajustá-la à medida.
António Domingues, indigitado presidente da Caixa, era um discreto banqueiro até março. Por saber das aflições do Governo – ou, simplesmente, por feitio –, impôs um caderno de exigências superlativo, como uma espécie de seguro de caução. Desde a recapitalização da Caixa com muitos zeros até à extravagância de 19 administradores, passando pela concentração de poderes em si próprio, acumulando o chairman com o CEO.
Cruel ironia: menos de meio ano decorrido sobre o convite que o levou a reformar-se no BPI, Domingues vai entrar na CGD de cabeça baixa.
Quando assumir funções, ficará para a História o comportamento desastroso do Governo, incapaz de emendar a mão a tempo. Forçou a nota e recebeu do supervisor europeu, na volta do correio, o chumbo de oito administradores – e, ainda, o ‘brinde’ de obrigar três outros a sentarem-se na escola do Insead, em regime de ciclo preparatório. Um enxovalho.
Entre os nomes dos não executivos chumbados, avulta o de Leonor Beleza. Presidente da Fundação Champalimaud desde 2004, por vontade expressa do patrono, ali tem desenvolvido um trabalho notável, tanto na vertente da investigação como na do acompanhamento clínico, designadamente na importante área oncológica.
A ex-ministra da Saúde de Cavaco Silva pode mostrar-se surpreendida com o veto do BCE. Mas cometeu um erro de cálculo que o seu excelente currículo dispensava.
O dossiê da CGD é um pesado revés para António Costa. Não adianta iludi-lo. E será um bónus para a oposição, se não tiver por ali telhados de vidro.
As asneiras políticas são tantas que merecem lugar no Guiness. Espanta um processo tão kafkiano num setor que deveria ser tratado com pinças. Choca ver um ministro das Finanças inseguro, esquivo, evasivo, em conferência de imprensa convocada para anunciar o modelo de recapitalização da Caixa acordado com Bruxelas.
A irresponsabilidade política não se corrige por decreto. O amadorismo tão-pouco. E a gestão do dossiê CGD correu tão mal que até o PCP e o Bloco saltaram da ‘geringonça’ para dizer que não subscreviam mudanças na lei bancária.
Desta vez, Marcelo fez constar que não assinaria por baixo, forçando Costa e Centeno a recuarem e a plantarem nos media a notícia de que desistiam da ideia.
O desfecho de toda a embrulhada continuará incerto, mesmo depois de Domingues subir ao gabinete na majestática sede da Caixa, seguido dos sobreviventes ao escrutínio de Bruxelas. O Governo ficou humilhado por culpa própria, ao ignorar as regras de um ordenamento jurídico que o BCE se limitou a aplicar.
Agosto tem sido o cabo das tormentas para um Governo fiado nos atilhos dos parceiros de esquerda. Costa assobiou ao cochicho com a leviandade dos secretários de Estado que foram ver a bola com a Galp, chegou tarde e a más horas à devastação dos incêndios florestais, e colocou os compagnons de route à beira de um ataque de nervos com a sua imperícia na CGD.
O PS ficou isolado a falar sozinho. O silêncio cúmplice do PCP e do Bloco parece ter os dias contados. Jerónimo e Catarina preparam os próximos sketches, entre o ‘perdoa-me’ e a ‘arrependida’…
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