Uma virgem chamada António Costa

João Marques de Almeida
Observador 21/8/2016

No universo político de Costa as intenções e os anúncios é que contam. Concretizar as promessas é irrelevante. Numa Europa em crise constante haverá sempre uma razão para explicar que não foi possível
1. Conta-se uma história sobre uma festa de homenagem a uma velha actriz de Hollywood, que se havia dedicado a todo o tipo de causas humanitárias. Um dos convidados fez um discurso a enaltecer as iniciativas e as boas intenções da velha senhora. Todos os convidados, excluindo um deles, bateram palmas. A excepção chama-se Woody Allen. Espantado com o comportamento de Woody, o seu vizinho de mesa perguntou se tinha alguma coisa contra a homenageada. Woody Allen respondeu: “Sabe, eu conhecia-a antes de ela ser virgem.”
Lembrei-me desta história quando li sobre a reação de António Costa aos fogos em Portugal, a propósito do reconhecimento do seu antigo secretário de Estado de erros cometidos pelo ministério da Administração Interna, tutelado então por Costa. Ascenso Simões disse que, contrariando um estudo feito na altura, o ministério de Costa decidiu investir na compra de equipamento para combater incêndios em vez de se concentrar em estratégias de prevenção. Costa respondeu que o seu ministério tinha adoptado políticas que permitiriam a verdadeira reforma das florestas, e acrescentou, com um toque de virgindade: “Devo dizer que fico chocado, dez anos depois, por verificar que essa reforma não foi feita.” Não há nada mais tocante que o choque das virgens. Coitadinho de António Costa. Preparou tudo para uma grande reforma das florestas. Depois foi-se embora para outras vidas, e os malvados que vieram – incluindo os do seu próprio partido – nos dez anos seguintes nada fizeram. E ele, o Costa, vivia noutro planeta, sem nunca mais se ter preocupado nem com matérias da administração interna, nem com fogos, nem com florestas, apesar de ter sido líder do maior partido da oposição e candidato a PM no país que mais arde em toda a União Europeia.
Mas os incêndios foram apenas o exemplo mais recente da readquirida virgindade de António Costa. No resto Costa também segue a “política da castidade”. Começa por mostrar as suas boas intenções, anunciando que a economia vai crescer muito mais do que seria possível, que a inovação e a educação vão atingir patamares nunca imaginados, ou défices que nunca serão alcançados. Mas no universo político de Costa, as intenções e os anúncios é que contam. Concretizar as promessas é secundário e quase irrelevante. Numa Europa e num mundo em crise permanente, haverá sempre uma razão para explicar a impossibilidade de cumprir as promessas. Os mercados, os refugiados, o terrorismo, o Brexit, Bruxelas, a direita europeia, o tempo, o azar, ou qualquer outra coisa.
Costa quer convencer os portugueses que nunca foi ministro de governos sem crescimento económico de nota, que não pertence ao partido cujo governo liderado por Sócrates foi o que mais contribuiu para o aumento da dívida pública portuguesa, ou que não pertence a um dos partidos que votaram a favor do Pacto Orçamental e da União Bancária. Ele não tem passado com pecados. Chegou agora à política e, na sua imaculada virgindade, promete o melhor dos mundos, incluindo o que nunca conseguirá cumprir. Eis a maior dificuldade de Passos Coelho. Como pode quem tanto pecou, impondo austeridade a um país inteiro, combater um politico que recuperou a sua virgindade e, tal como a velha actriz de Hollywood, espalha a sua virtude pelos quarto cantos de Portugal?
2. Os críticos de Passos Coelho, incluindo os comentadores da área do PSD, basicamente querem que o líder social democrata minta aos portugueses, tal como António Costa o faz. Pedem-lhe que também ele regresse ao estado de virgindade política. Dizer a verdade e aquilo em que se credita apenas evidencia pessimismo e o pior dos defeitos, experiência. O que é necessário é criar ilusões entre os portugueses. O apelo à mentira tornou-se o grande argumento destes comentadores.
Mas os críticos de Passos enfrentam um problema politico mais complicado. Para um dia ganhar as eleições, um líder do PSD precisa de ser visto como uma clara alternativa a Costa e independente em relação a Belém. Um líder do PSD que imite o discurso “optimista” de Costa tornar-se-á uma cópia do PM. Por que razão votariam os portugueses numa cópia do original? Por outro lado, se o líder do PSD fosse visto pelos portugueses como dependente e controlado pelo PR, nunca seria eleito PM. Seria visto como um líder fraco. O discurso de Passos pode ser um pouco repetitivo, mas não há português que não saiba que o líder do PSD é uma alternativa ao PM e independente do PR. E só assim poderá ser eleito chefe de governo. 
3. A saga da escolha da administração da Caixa Geral de Depósitos constitui um dos maiores exemplos de incompetência política do governo. Escolheu sem consultar a lei (haverá assessores jurídicos no ministério das Finanças?), desistiu dos escolhidos sem os avisar (e estamos a falar de pessoas de reputação e competências indiscutíveis), e passou pela humilhação e pela vergonha do BCE chumbar as escolhas do governo invocando a legislação portuguesa. Resta fazer a pergunta óbvia: como é possível que Mário Centeno seja ainda ministro das Finanças?

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