Pelos caminhos de Portugal

Alberto Gonçalves
DN20160807
Uma pessoa sabe que o país está no bom caminho quando a dívida pública aumenta 2,4 mil milhões apenas no mês de Junho (e oito mil milhões no primeiro semestre). Uma pessoa sabe que o caminho é óptimo quando o ministro da Economia explica que a subida em causa "evoluiu dentro de um padrão", e que o "importante" é que a dívida pública "cresça menos" do que a economia e que haja "contenção" nas contas públicas. Por muito que a "direita" troglodita se esforce por questionar o fim da austeridade, as ponderadas palavras do governante descansam os mais aflitos, sobretudo se considerarmos que a dívida cresce a 3% e a economia a 1%. As contas são tão simples que só uma criança - e a "troika" PS, PCP, BE - as percebe. Por falar em contas, a "contenção" nas ditas é uma evidência e o "padrão" do desastre, perdão, do sucesso ninguém discute. Para citar um grande, e falecido, estadista: as dívidas não se pagam, gerem-se. Ou, de preferência, nem isso. O importante é que, ao contrário da "direita", a esquerda quer o nosso bem.
Uma pessoa sabe que o país está no bom caminho quando o Ministério da Educação tenta afastar um juiz que decide contra o governo no caso dos colégios com contrato de associação. Uma pessoa sabe que o caminho é óptimo quando, de brinde, o ministério espalha pela imprensa a história de que a filha do juiz estuda num dos colégios beneficiados. O pormenor de a história ser falsa limita-se a provar o encarniçado amor da esquerda à escola pública. O pormenor de, suponho que pela primeira vez em 40 anos, um executivo abalroar ao pontapé a separação de poderes prova que a esquerda é capaz de tudo para servir os oprimidos. De qualquer maneira, o Público revelou que o referido juiz é católico e, preparem-se, pai de seis filhos, motivos abundantes para a exoneração sumária.
Uma pessoa sabe que o país está no bom caminho quando, em prol do IMI e da fundamental acção autárquica, o governo promete taxar o sol. Uma pessoa sabe que o caminho é óptimo quando, sob o entusiasmo de PCP e BE, o PS informa que a medida é de elementar "justiça social". Pelos vistos, havia para aí uns patifes que adquiriam casa em área solarenga e julgavam que podiam escapar impunes, a bronzear-se no terraço e a gozar com os pobres. Esses reaccionários não contavam com a consciência igualitária da frente de esquerda, incumbida de enxovalhar os ricos, principalmente os que gozam os mil euros mensais na marquise iluminada.
Uma pessoa sabe que o país está no bom caminho quando três secretários de Estado (incluindo um na tutela do sector) viajam para ver a bola à custa da Galp (em litígio com o Estado), vêem divulgado o arranjinho (talvez ilegal) e oferecem-se para pagar a despesa do próprio bolso (que o contribuinte, aliás, enche). Uma pessoa sabe que o caminho é óptimo quando o ministro Santos Silva se antecipa ao Ministério Público e à lei e declara o assunto "encerrado". O primeiro método é uma inspiração para os candidatos a meliantes que não apreciam arriscar escalas na prisão: um tipo pode assaltar o banco e, se for descoberto, devolve o dinheiro e vai à sua vida. O segundo método passa pela célebre ética republicana, que inspira há décadas gerações e gerações de valorosos patriotas de esquerda. Ainda que se torça toda, a "direita" não alcança valores assim.
Uma pessoa sabe que o país está no bom caminho quando, sobre estas proezas, o senhor Presidente da República não diz nada. Uma pessoa sabe que o caminho é óptimo quando o senhor Presidente da República diz imensas coisas que mais valia não dizer.

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