Os pirómanos que paguem

Paula Ferreira
Jornal de Notícias 20160816

O Governo bem pode anunciar que vai enviar para os pirómanos a fatura dos incêndios, e divulgar outros planos, a somar aos entretanto esquecidos nas gavetas de diferentes ministérios: pouca gente levará a sério a iniciativa. Não passa de uma reação, sem sustentabilidade, ao mediatismo da fatalidade estival do fogo.

Todos anos a história repete-se, enquanto houver ramo para arder. São medidas, muitas das vezes, sem qualquer consequência. Promessas circunscritas, e apagadas, no outono, graças a temperaturas amenas e às primeiras chuvas. No final da época dos fogos, a ministra da Administração Interna pedirá à Autoridade Nacional da Proteção Civil um levantamento dos custos dos incêndios em Portugal. "Vou pedir à Autoridade Nacional de Proteção Civil que faça uma avaliação de custos e contra estas pessoas alegados incendiários, pelo menos, pode-se agir civilmente", disse em entrevista ao JN. A ministra, formada em Direito, saberá portanto - como qualquer cidadão - que, antes de imputar qualquer responsabilidade cível ou criminal, é preciso fazer prova. E se haverá autores de fogos florestais com capacidade económica para ressarcir o Estado - uma boa parte deles, a crer nas estatísticas, rondará a indigência.
A Polícia Judiciária, até ao momento, não identificou motivações económicas em nenhum dos 81 suspeitos por atear fogo, detidos entre o início de 2015 e meados da passada semana. O perfil do incendiário está traçado. O psicólogo forense Rui Abrunhosa Gonçalves descreve-o: "Trata-se, quase sempre, de indivíduos com baixo nível educacional e de qualificação profissional, habitantes em zonas rurais, consumidores de substâncias - nomeadamente álcool - e em muitos casos com um atraso cognitivo e com patologias do foro mental". É com estes indivíduos a viver, muitos deles, em condições de miséria, à beira da indigência, que Constança Urbano de Sousa conta para pagar a fatura e dar o exemplo.
A ministra sabe, certamente, quem deve responsabilizar pela tragédia que estamos a viver. Enquanto os campos e as matas continuarem ao abandono, pasto de silvas - os proprietários, na maioria pequenos camponeses, deixaram de ter para onde escoar os produtos que a terra lhes retribuía -, Portugal irá arder, repito, até ao último ramo. Por muitas leis gizadas, a partir dos corredores de S. Bento, a situação parece ser essa. O primeiro-ministro António Costa deverá ter consciência de que não é apenas de uma reforma florestal que carecemos. É o país que precisa de profunda reforma - povoado por velhos, sem forças, voltará sempre a ser acessível e sôfrego pasto de chamas.

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