Os malucos

Alberto Gonçalves
DN 20160821
Encerrado o "rescaldo" dos incêndios, é tempo de fazer o "rescaldo" das declarações da ministra da Administração Interna sobre os incêndios. Antes de mais, coloco a hipótese de as declarações em causa terem sido realizadas sob coacção psicológica ou ameaça de arma, factores que justificariam a radical imbecilidade das mesmas. Nesse caso, peço antecipadamente desculpa à sra. ministra por tudo o que se segue.
Enquanto o país ardia, uma revista "cor-de-rosa" fotografou a sra. ministra a passear o glamour inato numa festa algarvia ou similar. Embora as proverbiais más línguas se apressassem a condenar a dra. Constança, é inegável que, divertida e calada, esse foi o melhor momento dela nesta história. Depois, a sra. ministra cedeu às pressões populares, regressou a Lisboa e desatou a dizer coisas.
A primeira coisa que disse consistiu em lamentar a falta de solidariedade europeia no combate aos fogos. Trata-se de uma reacção representativa das principais qualidades socialistas (e, é chato acrescentar, portuguesas): perante qualquer contrariedade, procuram instintiva e alucinadamente arranjar um bode expiatório que os isente de obrigações. Para a sra. ministra, o problema não são os incêndios, mas naturalmente as maçadas que os incêndios lhe podem suscitar. Já basta o que basta, leia-se as férias interrompidas.
A segunda coisa que a sra. ministra disse passou por defender a "utilização comunitária" dos terrenos florestais abandonados, o que nas entrelinhas significa roubá-los aos donos em proveito das autarquias, que cuidariam da sua gestão e exploração: "É uma ideia que deve ser bem ponderada, bem reflectida e penso que muito útil." Se ponderarmos bem, é claro que as autarquias, esses paradigmas do rigor, seriam capazes de aproveitar as desprezadas áreas em questão para magníficas rotundas, magníficos pavilhões "multiusos" ou, com jeito, um daqueles magníficos projectos financiados pelos "fundos" e de serventia nula (na minha terra adoptiva, há um spa sem clientes que custou uma fortuna e está um primor). Se reflectirmos bem, é claro que a sugestão ajudaria a um enorme avanço na luta contra os incêndios, perdão, a propriedade privada que tanto consome as matas, perdão, a alma dos socialistas. Muito útil seria a sra. ministra não pensar de todo. E, quanto a punir o abandono de territórios, convinha notar os exemplos dos membros do governo e do PR em pessoa, quase permanentemente em França, no Brasil, na Índia ou onde calha a fim de "apoiar a selecção", "apoiar a delegação" e outros propósitos vitais: não se pode trespassar Portugal para estadistas a sério?
A terceira coisa que a sra. ministra disse define, digamos, um estilo e merece integrar um compêndio restrito dos Grandes Desígnios da História da Humanidade: a dra. Constança quer que os incendiários sejam responsabilizados civilmente além de criminalmente, isto é, que paguem o prejuízo. A sra. ministra está imparável, ou, no jargão americano e sem trocadilhos, "is on fire". De acordo com um psicólogo citado na imprensa, eis o perfil do incendiário-padrão: "Baixo nível educacional e de qualificação profissional, habitante em zona rural, consumidor de álcool, com atraso cognitivo e patologias do foro mental." Bate certo. Não é necessário o anunciado, e assaz democrático, acesso aos dados bancários dos cidadãos para constatar que um alcoólico retardado do interior, sem estudos e provavelmente sem emprego, é criatura de vastos recursos financeiros. Mal se apaguem as chamas nos 200 hectares, uma comissão de avaliação enumera os danos e o tolinho tem 15 dias para efectuar o respectivo pagamento, mediante cheque na conservatória do registo predial ou por transferência no multibanco. O Estado inicia o processo de reconstrução, com investimento público adicional e criação de emprego, e o povo festeja nas ruas. Assunto encerrado.
A ideia é tão boa que deveria ser alargada à própria esfera governamental, na qual indivíduos demasiado incompetentes e nocivos seriam responsabilizados criminal e civilmente pelos estragos cometidos. É evidente que os senhores que nos tutelam não possuem a disponibilidade orçamental do típico maluquinho da aldeia. Em contrapartida, os estragos, no bom senso, na economia e no que calha, são imensamente maiores - e, até a julgar pelas sondagens, o castigo nenhum. Quem é maluco, quem é?

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