Agarrei-me à carteira

HENRIQUE PEREIRA DOS SANTOS Público 11/08/2016

“Temos de fazer com a floresta o que fizemos com a protecção civil há dez anos”, terá dito o senhor primeiro-ministro e confesso que a minha primeira reacção foi agarrar-me à carteira.

Há cerca de dez anos, era o senhor primeiro-ministro o ministro da Administração Interna, que é quem manda no sistema de protecção civil.
15 dias de vento Leste bem rijo (em rigor, 14 dias, porque num dos dias o vento rodou 90 graus, e depois voltou a rodar para Leste, o que tornou tudo ainda mais difícil) em 2003 tinham levado a uma área ardida de mais de 400 mil hectares, uma oportunidade de ouro para um ataque cerrado ao governo de então, à desorganização dos bombeiros e trinta por uma linha.
Dois anos depois, em 2005, mais de 200 mil hectares ardidos, umas eleições e aí temos reunida a vontade política para resolver o problema dos fogos.
Foi assim que se criou o Fundo Florestal Permanente, alimentado com uma taxinha nos combustíveis, foi assim que se fez a tal reorganização da protecção civil de que fala agora o senhor primeiro-ministro e foi assim que foram chamados técnicos reconhecidos para fazer um Plano Nacional da Defesa da Floresta contra Incêndios, com muita prevenção prevista e centrada no problema da gestão do território, a montante do combate.
Um território bem ordenado é um bem comum que interessa aos comuns, era a justificação central para a colecta de recursos.
Depois de garantido o apoio político para a revolução na gestão do problema apoiou a aliança entre protecção civil e poder autárquico na luta pelos recursos existentes e a captar, deixando os reais donos do problema, isto é, os gestores do território, essencialmente na mesma. Uma luta diária que deixou uma escola muito enraizada na protecção civil, prolongando-se muito depois da saída do ministro que vergou o então ministro da Agricultura nas opções sobre fogos florestais e destruiu por completo o Plano Nacional de Defesa das Florestas contra Incêndios. Veja-se o recente despacho N.º 9473/2016 de 25 Julho: o tal Fundo Florestal Permanente, o que iria financiar a prestação de serviços ambientais que o mercado não remunera, como a limpeza de matos pelo pastoreio, transfere para a GNR 3,6 milhões de euros para pagar a vigilantes.
O Estado reconhece que na base do problema dos fogos está uma falha de mercado (que não remunera os serviços ambientais prestados no âmbito de actividades económicas pouco competitivas), o Estado decide colectar coercivamente recursos para remunerar adequadamente os serviços prestados pelos donos e gestores do território e do problema e, quando tudo isso está feito, desvia os recursos para se financiar a si próprio.
Primeiro, mansamente, autarquias locais e centros de investigação e, progressivamente, chegando ao coração do Estado: as forças de segurança.
O custo do dispositivo de combate aos fogos passou de 30 milhões anuais para 100 milhões anuais, mas os resultados são, essencialmente os mesmos – embora obtidos com muito mais estilo – porque os donos do problema continuam sem meios para o resolver e porque o dinheiro atirado para cima do problema serviu, nos anos menos maus, para disfarçar a loucura de querer gerir fogos florestais com água e a partir do ar.
E foi por isto, só por isto, que ao ouvir o senhor primeiro-ministro levei instintivamente a mão à carteira, quando percebi que o plano era o mesmo de há dez anos.
Depois relaxei e fui almoçar um cabrito, é o máximo que está ao meu alcance directo para ajudar a resolver o problema do fogo.

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