A ‘silly season’ já não é o que era

Henrique Monteiro
Expresso 20160819

A ‘época ou estação palerma’, tradução literal de ‘silly season’ já não é o que era. Dantes chamava-se assim porque as notícias eram frívolas e envolviam pessoas frívolas que sabiam estar a praticar frivolidades. Os alemães chamavam-lhe Sommerloch, ou seja, ‘buraco de verão’, e os franceses la morte saison, ou a estação morta. Ou seja, não havia notícias. 
Agora também há poucas, e as poucas que há são palermas. Mas os seus protagonistas pensam que não, que são declarações de alto interesse. Coisas que vão desde o discurso de Hélder Amaral sobre o MPLA até àquele em que me vou fixar: o discurso do PCP sobre a necessidade de resistirmos à “ingerência” europeia na CGD e no Orçamento do Estado. Ó camaradas comunistas, mas se a Europa não se imiscuir naquilo que paga e tem de regular, que andamos nós a fazer na Europa? 
Perguntam-me se é uma humilhação o BCE dizer que não quer oito administradores por estarem a acumular com outras funções? É uma humilhação para as pessoas e para o Governo português. Só que não houve qualquer ingerência do BCE. Tal facto decorre da lei portuguesa de que alguém aqui se esqueceu, mas de que em Frankfurt se lembraram. Depois é uma humilhação mandar uns administradores estudar? Talvez seja, não faço ideia se um regulador deve passar do aceito/não aceito para aceito se o rapaz se portar bem. De qualquer modo, o saber não ocupa lugar, não é verdade? E se vão para um banco público lidar com assuntos sobre os quais podem saber mais e melhor, é bom que alguém os mande estudar. 
A célebre ‘geringonça’ anda um pouco de candeias às avessas nesta matéria (nada de grave, que o poder cura tudo e mais alguma coisa). Mas o PCP e o BCE dispensavam tantos administradores e, sobretudo, tanta “ingerência”, como diz João Oliveira, o líder da bancada comunista. 
Pois caro João Oliveira, com o devido respeito, a ingerência da Europa na CGD e no Orçamento do Estado faz-me lembrar uma cena dos Monthy Python no seu inesquecível filme “A Vida de Brian”. Nessa cena um judeu radical anti-romano interroga os seus camaradas: “Sim, e o que nos deram os romanos?”. E logo um responde: “As estradas!”. Insiste o primeiro: “Sim, mas tirando as estradas?”. E diz o outro: “As pontes!”. Volta o chefe: “mas tirando as estradas e as pontes?”. E diz outro ainda: “Os banhos!”. Já irritado o chefe grita: “Sim, mas tirando as estradas, as pontes e os banhos?”. E diz outro ainda: “A lei civil”. E continua e tirando isto aquilo e aqueloutro, ou seja quase tudo, o que nos deram, e todos concordam que não nos deram nada. 
Pois a Europa também só se ingere, nunca nos deu nada. Tirando o dinheiro, o desenvolvimento, as estradas, as pontes, o turismo, a moeda forte, o fim do nosso isolamento internacional e… a recordação de que as nossas próprias leis são para cumprir… 
Mais “silly” do que isto, de facto, não há! A pena é ser um “silly” involuntário.

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