O burquíni explica o Brexit

Sebastião Bugalho
ionline, 20160826

O maior crítico a este atentado contra a diversidade não foi um movimento femininista. Foi um jornal conservador

Quem foi o maior crítico à proibição do burquíni em França?
Não, meu caro leitor, na comunidade internacional, não foram os movimentos feministas. E não, meu caro leitor, na sociedade política, não foi a esquerda gaulesa, que até tem, pasme-se, uma ministra para os direitos da mulher. 
O maior crítico a este atentado contra a diversidade foi um jornal conservador, a publicação de direita mais lida do Reino Unido, o “Telegraph”. Nele foi escrito que os verdadeiros “inimigos da liberdade” são os polícias. Nele foi escrito que os decretos dos autarcas que proíbem o burquíni são ilegais. 
O meu caro leitor perguntará legitimamente: por que diabo temos a direita britânica a defender mulheres muçulmanas quando até a esquerda francesa perdeu a paciência? Um primeiro palpite apontaria para os recentes atentados em França. Mas os ingleses também já sofreram, e muito, com o terrorismo islâmico. Um segundo palpite apontaria para o número elevadíssimo de muçulmanos na França de hoje. Mas Londres também está a abarrotar de mesquitas. 
Não existe uma explicação contemporânea para uma diferença tão marcante entre países relativamente similares. São ambos ocidentais, europeus, democráticos, desenvolvidos, globalizados, etc. A justificação é histórica. Identitária até. 
Esta semana, polícias franceses multaram uma muçulmana por não estar vestida de acordo “com o secularismo e a boa moral”. A senhora, de nacionalidade francesa, vestia leggings, um lenço de cabeça que não cobria o rosto e uma túnica colorida e comprida. Não há nenhuma lei nacional francesa que proíba este vestuário. Não há nenhuma lei local - como os decretos de proibição ao burquíni - que possa proibir este vestuário. O “Telegraph” tinha razão: os polícias estão a violar a lei ao não respeitarem a liberdade do ser humano vestir-se como quiser. 
A “boa moral”, como escreveu ontem Ana Sá Lopes no editorial deste jornal, sempre foi inimiga da liberdade. E os britânicos sabem isso. O facto de o Estado francês fazer-se valer do poder de coerção das suas forças de autoridade para impingir a “boa moral” - seja lá isso o que for - é antidemocrático. 
A tradição de liberdade dos povos da língua inglesa, a ideia de um Estado que serve apenas de “guarda noturno” e não de papá do cidadão e a crença que cada indivíduo - homem, mulher, muçulmano ou cristão - sabe melhor qual é a sua moral do que qualquer outro são conceitos que fizeram do Reino Unido a democracia parlamentar mais coerente da história política. 
Não é por acaso que um homem chamado Sadiq Khan, muçulmano praticante, conseguiu chegar a presidente da câmara de Londres. E também não é por acaso que assim que os seus pontos de vista pessoais o levaram a proibir cartazes publicitários de mulheres em roupa interior, interferindo a sua moral na vida da sociedade civil, a direita não o perdoou. É isso mesmo, caro leitor, conservadores a defender cartazes de roupa interior de um político de esquerda. Só mesmo na Grã-Bretanha, garanto-lhe. Este excecionalismo é, para mim, uma das principais causas para terem votado para abandonar a União Europeia.
A UE, como projeto de raiz francófona, centralizante e que respeita cada vez menos as diferenças entre Estados-membros, é diretamente oposta à referida tradição de liberdade dos povos de língua inglesa. É por isso que afirmo: o burquíni explica o Brexit. 
O trauma da revolução francesa, o secularismo como religião oficial do Estado que não respeita nenhuma outra e o desprezo pelo livre arbítrio em troca da uniformização são as consequências de uma França mal resolvida consigo mesma. 
A França, meu caro leitor, não tem um problema com fatos de banho alternativos, que até são esgotados em Inglaterra por mulheres não muçulmanas. A França tem um problema com a liberdade. Desde 1789.

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