O Manifesto Staples
SÉRGIO VASQUES | Jornal de negócios | 28 Agosto 2016
Numa rara combinação de empreendedorismo e cidadania, a DECO acaba de
lançar uma iniciativa que se adivinha o grande sucesso deste regresso às aulas.
Trata-se do "Manifesto pela dedução de todas as despesas de educação no IRS", com o qual a DECO pretende corrigir a injustiça de apenas serem dedutíveis como tal despesas sujeitas a taxa reduzida de IVA e despesas facturadas por entidades que se dediquem ao ensino ou comércio de livros. Estes requisitos, fixados no Código do IRS, deixam de fora materiais como as máquinas calculadoras e serviços como as refeições facturadas autonomamente por cantinas escolares. O manifesto da DECO destina-se a ser entregue "em mãos" ao governo e parlamento com vista a condicionar a preparação do próximo orçamento. Com um "twist", porém: a subscrição do manifesto faculta aos subscritores um cupão de desconto junto das lojas Staples nas compras do próximo regresso às aulas. Nada mau.
As deduções do IRS assentam em noções fixadas pela lei com maior ou menor latitude: despesas de saúde, despesas de educação, despesas com habitação, etc. A lei fiscal faz-se toda ela destas noções e sempre que o legislador as fixa logo surgem casos de fronteira, sejam as operações de cirurgia estética, os cursos de línguas no estrangeiro ou a compra de imóveis para habitação parcial. No contexto do IRS, a única solução definitiva para o problema da limitação às despesas de educação estaria em eliminá-la por inteiro, substituindo-a por uma dedução fixa por filho a cargo em idade escolar. Será talvez neste sentido que se inclina o governo, que se comprometeu a resolver o problema a curto prazo. Mas, perante esta ou outra dedução, dizer-se que o estado está a subtrair mais ou menos milhões de euros aos contribuintes releva da mais elementar demagogia.
De resto, a Staples não vai muito mais longe que o estado na definição das despesas de educação. Olhando à letra miudinha, vemos que os cupões oferecidos aos subscritores do manifesto devem ser descontados "numa única compra de material escolar e calculadoras" e que não podem ser empregues na compra de "informática, telecomunicações, mobiliário, tinteiros/toners, higiene, limpeza e alimentar". Grave injustiça esta, deixar de fora do desconto os correctores ortográficos e as barras energéticas de que se faz o dia-a-dia dos nossos estudantes.
É certo, entre a chuva de manifestos cinzentos que o país conheceu nos últimos tempos, este ao menos tem a virtude da imaginação. Depois desta primeira iniciativa da DECO, antecipam-se manifestos pelo abaixamento do imposto automóvel patrocinados pelos concessionários, petições pela redução do IMT com apoio dos mediadores imobiliários, cartas abertas pelas despesas de saúde com ofertas de desconto em clínicas privadas. A defesa do consumidor não conhece limite e, para governantes e deputados, será até refrescante preparar o orçamento do estado com base em iniciativas públicas motivadas por descontos de 10% para os associados e "limitadas ao stock de material existente".
Mas tudo isto levanta uma questão de que a DECO talvez não se tenha ocupado e que vale a pena agora ponderar. Se uma associação promover uma qualquer acção pública da qual resulte a angariação de clientela para terceira empresa, estamos ou não perante actividade sujeita a IVA e qual o valor do imposto devido? Talvez tenha chegado a hora de usar o cupão e pegar na calculadora.
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