Elegia para a Europa
António Barreto
DN20160807
Sabíamos há muito que ia ser assim. Com as Torres Gémeas, ficou evidente. Sabíamos, mas não acreditávamos. A confirmação veio depois. Em Madrid. Em Londres. Voltámos a saber, mas ainda pensávamos que talvez não fosse bem assim. Agora, já não é necessário comprovar. Em Bruxelas. Em Paris. Em Berlim. Em Munique. Não se pode ignorar. Em Nice. Em Montpellier. Em Rouen. Por quase todo o continente. O estado de emergência vigora em França. A Europa já não é o que era, nem será, dentro de poucos anos, o que é hoje. Acaba uma era na sua e na nossa história. A Europa da paz e do acolhimento de estrangeiros. A Europa de braços abertos a todos os refugiados do mundo, de direita ou de esquerda, religiosos ou pagãos, homens ou mulheres. A Europa que se queria distinguir pela generosidade, pela cultura e pela diversidade. A Europa onde era possível a uma mulher sair sozinha à noite ou um bando de jovens passear sem ser incomodado. A Europa onde se procuravam museus em sossego, concertos em alegria, festivais em despreocupação e peregrinações em paz. Uma Europa que deixava as suas filhas percorrer os caminhos-de-ferro em tranquilidade. Uma Europa onde um casal de idosos podia sair à rua sem cuidados especiais. Uma Europa onde quem queria se deslocava, viajava e passeava sem ser revistado, vigiado, registado, filmado, escutado e seguido.
Uma Europa que, apesar de duas guerras e mal-grado o Holocausto e o Gulag, sonhava com liberdade e cultura para todos. Uma Europa que, décadas atrás de décadas, não desistia de procurar a liberdade e construir a democracia. Uma Europa em que o Estado de direito, não obstante erros e desastres, se afirmava. Uma Europa onde cada vez mais as leis eram ditadas pela razão e pelo povo soberano e cada vez menos pela fortuna, pela força ou por deus. Uma Europa onde finalmente se respeitavam todas as religiões e nenhuma exercia o império da intolerância.
Esta Europa, sonho, projecto, história ou esperança, desaparece. Financiado por poderosos, protegido por Estados maléficos e apoiado por organizações legais, o terrorismo islâmico está a destruir a Europa que conhecemos. Pior do que a destruição, está a fomentar o medo como modo de vida. Está a estimular todos os reflexos de defesa, de segurança, de abuso da lei e de reacção agressiva que desfiguram a Europa. O fanatismo islamita está a ressuscitar deliberadamente o racismo e a xenofobia que os europeus se esforçam há tantos anos por liquidar.
Os Estados europeus, alguns Estados, começam a reagir com leis, processos e sistemas de defesa colectiva, de preservação do espaço público, de combate ao terrorismo e de vigilância dos estrangeiros que já não se limitam a simples segurança, mas são cada vez mais de prevenção truculenta. As medidas anunciadas pelo governo francês, sobre a nacionalidade de muitos imigrantes islâmicos e seus descendentes e sobre o financiamento das mesquitas, constituem exemplos do que é indispensável fazer, mas que, ao mesmo tempo, nos confrange. Ainda por cima, são medidas insuficientes. Depois de um período longo em que a democracia europeia não soube ou não quis defender-se, nem prevenir com energia e sem contemplação, a Europa prepara-se para uma inevitável campanha punitiva em larga escala, com a qual o espírito europeu se perderá. As autoridades democráticas europeias tiveram até agora receio da sua própria força e da sua razão. Deixaram-se aprisionar pelas esquerdas covardes que não se importaram de alimentar as direitas xenófobas. Esta Europa está hoje quase incapaz de reagir ou conter o terrorismo. Se a Europa reage em força, como deveria ser, muda a sua história e o seu destino e nós perdemos. Se a Europa não reage, acaba com a sua história, muda de destino e nós perdemos.
Estamos condenados a um estranho futuro: uma Europa onde, para evitar o inferno, vamos ter de viver com o diabo!
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